sexta-feira, 29 de março de 2013

Um poema de Helga Moreira


Canta, embebeda-se pelos bares
ou não se embebeda e só o luar
guarda na mala

ou não canta e tece
pequenos vestígios de fogo.

Recorda macieiras, papoilas,
alguma poeira imperceptível,
febres de verão.

in Poesia Digital: 7 poetas dos anos 80, Campo das Letras, 2002




terça-feira, 26 de março de 2013

António Carlos Cortez - Arte Poética e Não

A poesia é o signo extremado. Estremecendo, plástica, a palavra rasga. Contra a opacidade dos dias, a cristalização da frase, límpida, com seus sintagmas oferecendo ao lado de lá da tela a história original de um mundo. Estremecendo, o leitor sobrevive e insiste em reler passagens que, de algum modo, o penetram por imagens, flashes. Assim, contra os actos não há argumentos – e a poesia, se construída em verdade, produz novas formas de perceber as idades de que é feita, afinal, a nossa vida: metro, verso, estrofe, cadência rítmica, corpo a corpo, combate entre vida e morte. Extremidades da linha de fogo.

in Linha de Fogo, Licorne, 2012

quinta-feira, 21 de março de 2013

segunda-feira, 18 de março de 2013

Cheap Magic Inside


      E se há um momento em que devíamos parar é este. Não só porque o nome da música é o de uma estação em Lisboa - tantos outras músicas de Beirut têm nome de cidades - mas porque este momento é celestial. Cheap Magic Inside não tem a ver com a magia no sentido tradicional, mas com uma outra magia: a da música. Uma banda e um homem que vagueiam por Brooklyn (se bem que a última cena é em Paris) povoando a cidade com música. Não se trata apenas de um concerto em andamento, mas de algo mais: fazer música nos mais diferentes elementos urbanos, desde um prédio, a apartamentos, casas, jardins (lugares comuns) a garagem dos carros que vendem gelados (um regresso à infância) ou, finalmente, uma igreja (a experiência religiosa?). 
      Em cada um deles o som é distinto, a música é diferente, como são os próprios instrumentos - criadores de som - que vão sendo usados ao longo do filme e que dão voz também aos lugares que ocupam. Zach Condon, é o homem da errância que caminha pelos diferentes locais, uma linha que vai ligando todos os lugares de uma maneira ou de outra, especialmente através da sua voz, cantando os amores e desamores, os encontros, as estações e paragens, inventando um mapa emocional, musical e físico para The Flying Club Cup, um disco fabuloso. 
      Mas Cheap Magic Inside é muito mais do que isso. É a viagem individual de cada um de nós ao som de Beirut e da imagem de Vicent Moon e Chryde onde descobrimos como é possível habitar o espaço com música, com o coração e, talvez, com uma certa melancolia (a cena no táxi em Paris é disso testemunha). Se há magia é em descobrir este filme. Eu cheguei atrasado, é verdade. Conheço bem os discos de Beirut e gosto de todos, incluíndo aqueles em que o artista tem outro nome. Ainda não tinha tido oportunidade de ver o filme - se bem que está disponível completo aqui - mas tudo tem um tempo e o meu tempo de ver este filme foi agora, o momento em que eu parei em Santa Apolónia.

sexta-feira, 15 de março de 2013

10 - José Duarte


10.

I will laugh to her. An
admirable programme.
Unfortunately it can’t be
carried out. One keeps
on emerging from a phase,
but it always recurs. Round
and round. Everything repeats,
the vast emptiness timer after
time. The first plunge of the knife
into the flesh again and again.
Didn’t the eagle find a fresh liver
to tear in Prometheus every time
it dined?

From Observations (a work in progress)

quarta-feira, 13 de março de 2013

Um poema de Rui Pires Cabral

Veneza

Falaste a noite toda sobre a vida na Colômbia
com o rastro dos postes intermitindo no teu rosto
atento, quase hierático. Tinha havido a comoção
provocada por Gabriella na cabine dos jugoslavos
e aquele italiano ruivo repetindo pedagogicamente
paesi, castelli, àlberi, uma ladainha para pontuar
o curso obstinado da nossa travessia.

Por fim restava a madrugada sobre a água recolhida
na laguna – por que me senti tão desarmado quando vi
as fachadas de Veneza? E tu disseste que talvez
nos voltássemos a encontrar, eram seis da manhã no silêncio
por onde os canais cumpriam mais depressa
a sua lenta função.

domingo, 10 de março de 2013

Salt and Oil - Philip Levine



Three young men in dirty work clothes
on their way home or to a bar
in the late morning. This is not
a photograph, it is a moment
in the daily life of the world,
a moment that will pass into
the unwritten biography
of your city or my city
unless it is frozen in the fine print
of our eyes. I turn away
to read the morning paper and lose
the words. I go into the streets
for an hour or more, walking slowly
for even a man of my age. I buy
an apple but do not eat it.
The old woman who sells it remarks
on its texture and tartness, she
laughs and the veins of her cheeks brown.
I stare into the river while time
refuses to move. Meanwhile the three
begin to fade, giving up
their names and voices, their auras
of smoke and grease, their acrid bouquets.
We shall name one to preserve him,
we shall name him Salt, the tall blond
whose wrists hurt, who is holding back
something, curses or tears, and shaking
out the exhaustion, his blue eyes
swollen with sleeplessness, his words
blasted on the horn of his breath.
We could go into the cathedral
of his boyhood and recapture
the voices that were his, we could
reclaim him from the brink of fire,
but then we would lose the other,
the one we call Oil, for Oil
broods in the tiny crevices
between then and now, Oil survives
in the locked archives of the clock.
His one letter proclaims, “My Dear
President, I would rather not . . .”
One arm draped across the back
of Salt, his mouth wide with laughter,
the black hair blurring the forehead,
he extends his right hand, open
and filthy to take rusted chains,
frozen bearings, the scarred hands
of strangers, there is nothing
he will not take. These two are not
brothers, the one tall and solemn,
the long Slavic nose, the pale eyes,
the puffed mouth offended by the press
of traffic, while the twin is glad
to be with us on this late morning
in paradise. If you asked him,
“Do you calm the roiling waters?”
he would smile and shake his great head,
unsure of your meaning. If you asked
the sources of his glee he would shrug
his thick shoulders and roll his eyes
upward to where the turning leaves
take the wind, and the gray city birds
dart toward their prey, and flat clouds
pencil their obscure testaments
on the air. For a moment
the energy that makes them who
they are shatters the noon’s light
into our eyes, and when we see
again they are gone and the street
is quiet, the day passing into
evening, and this is autumn
in the present year. “The third man,”
you ask, “who was the third man
in the photograph?” There is no
photograph, no mystery,
only Salt and Oil
in the daily round of the world,
three young men in dirty work clothes
on their way under a halo
of torn clouds and famished city birds.
There is smoke and grease, there is
the wrist’s exhaustion, there is laughter,
there is the letter seized in the clock
and the apple’s tang, the river
sliding along its banks, darker
now than the sky descending
a last time to scatter its diamonds
into these black waters that contain
the day that passed, the night to come.
in The Mercy, (Alfred A. Knopf, 1999).

terça-feira, 5 de março de 2013

Ione, Dead the Long Year - Ezra Pound

Empty are the ways, Empty are the ways of this land And the flowers Bend over with heavy heads. They bend in vain. Empty are the ways of this land Where Ione Walked once, and now does not walk But seems like a person just gone.

Ezra Pound, mais aqui.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Silêncio - Nuno Dempster

De repente ficou tudo deserto
na área de serviço da BP:
a luz do sol, os dois camiões TIR,
atrás uma paisagem de ninguém.
Por entre penedias e carvalhos,
nem sequer a lembrança das pegadas
que do início dos dias me recorda
a ideia de haver morte, se a terra é
as estações contínuas que mantêm
real a sobrevida, o tempo intacto.
Vulto que respirasse só o meu.
Por ali nenhum outro se assomava.
Talvez tivesse sido uma explosão,
talvez tivesse sido o Sol distante
numa fissura de átomos de gelo.

E no entanto se a morte fosse assim,
se o final fosse aquele espanto claro
das bombas de gasóleo sem ninguém,
dos camiões parados e sem préstimo,
das  coisas no seu último sentido
que é não haver sentido para nada,
se eu pudesse fixar esse momento,
guardá-lo para sempre nos meus olhos,
que feliz abstraído viveria
nos mil metros quadrados sem ninguém
da área de serviço da BP.


in Dispersão - Poesia Reunida, 2009.