domingo, 30 de dezembro de 2018

Feliz Ano Novo (e a lista de 2018)

Música (sem ordem aparente):

1 - Wanderer (Cat Powers)

2 - Hunter (Anna Calvi)
3 - High as hope (Florence and the Machine)
4 - Caer (Twin Shadow)
5 - Blood (Rhye)
6 - Brasileiro (Silva)
7 - I don't hide (Hinds)
8 - Make way for Love (Marlon Williams)
9 - Lost Friends (Middle Kids)
10 - Thank you for today (Death Cab For Cutie)

Livros (entre poesia, não ficção e ficção)


1 - Fuck the Polis (João Miguel Fernandes Jorge)

2 - Um Quarto em Atenas (Tatiana Faia)
3 - Retratos de Nova Iorque (António Amaral Tavares)
4 - American Sonnets for My Past and Future Assassin (Terrence Hayes)
5 - The Line Becomes a River (Francisco Cantú)
6 - Room to Dream (David Lynch)
7 - Ensina-me a voar sobre os telhados (João Tordo)
8 - Call them by their true names (Rebecca Solnit)
9 - Mixtape II (vv.)
10 - The Best New British and Irish Poetry 2018 (vv.)

Dois objectos que valem ainda a pena acrescentar à lista e que gostaria de deixar registado, Mortel (Miguel-Manso) e Iluminuras (Théodore Fraenckel).

Filmes 

1 - Wildlife (Paulo Dano, Zoe Kazan)
2 - Mid-90s (Jonah Hill)
3 - Tully (Jason Reitman)
4 - Private Life (Tamara Jenkins)
5 - Zama (Lucrecia Martel)
6 - Support the Girls (Andrew Bujalski)
7 - You were never really here (fim de 2017, mas quase que conta - Lynne Ramsay)
8 - Isle of Dogs (Wes Anderson)
9 - First Reformed (Paul Schrader)
10 - Ramiro (Manuel Mozos)

Podia escolher outros tantos...

quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

The Power - Paul Farley

Forget all of that end-of-the-pier
palm-reading stuff. Picture a seaside town
in your head. Start from its salt-wrack-rotten smells
and raise the lid of the world to change the light,
then go as far as you want: the ornament 
of promenade, the brilliant greys of gulls,
the weak grip of a crane in the arcades 
you've built, ballrooms to come alive at night,
then a million-starling roost, an opulent
crumbling like cake icing...
                                            Now, bring it down
in the kind of fire that flows along ceilings, 
that knows the spectral blues; that always starts
in donut fryers or boardwalk kindling 
in the dead hour before dawn, that leaves pilings 
marooned by mindless tides, that sends a plume 
of black smoke high enough to stain the halls
of clouds. Now look around your tiny room
and tell me that you haven't got the power. 

Paul Farley. Dark Film. Picador, 2012.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Aboio - Rui Lage

Tinha um teclado barato
no recinto dos olhos
onde um loop eterno tocava
êxitos de ouro que o passado,
crendo-se futuro,
sem talento e sem contrato buscara.

Sentada no muro cabisbaixo
a si mesma descia por
escada interior
e na subida me puxava
como água
do fundo de um poço.

Para sua corte me chamava
e eu ia, cabeça de gado
numa só noite apreçada
e vendida.


Rui Lage. Um Arraial Português. Lisboa: Ulisseia, 2011

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Para saber sanar hay que saber enfermar - Luna Miguel

Apareció una y luego otra y luego otra.
Era verano y estaban por todas partes reproduciéndose como una plaga antigua.
Yo escuchaba sus latidos a través de la madera;
te pregunté si las cucarachas tenían corazón y
tú me dijiste que no sabías de eso.
Conocemos poco las cosas sencillas, pensé.
Nada nos importa hasta que duele.

terça-feira, 30 de outubro de 2018

Nuno Marques - Dia do Não (Douda Correria, 2018)

  «uma faca um murro
no ventre 
na barriga 
nos bofes
nas bochechas 
nas orelhas 
no peito 
nas nádegas

                abrir 
                sangrar 
                entrar 

                contra o muro 
em pé à bruta 
                de costas com força 
                a roncar 
                a estremecer 

                calado 
                uma chapada 
entre os olhos
                a abrir 
                a entrar »

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Matilde Campilho - Conversa de fim de tarde depois de três anos no exílio

Os garçons empilhando as cadeiras
você me olhando e me pedindo que 
fale Por Favor Mas Não Escreva
eu evitando o toque ruim dos ponteiros
do relógio que anuncia a já famosa fuga
de nossos corpos cada um para sua
ponta da cidade - se nosso amor fosse
revólver eu seria o cabo e você a mira
tal como dizia a professora Sofia Jones
é terrível a existência de duas retas
paralelas porque elas nunca se cruzam 
e elas apenas se encontram no infinito 
a verdade é que nunca nos interessou 
a questão do infinito mas o resto
das ideias matemáticas claro que sim
eu na verdade prefiro mais de mil vezes
sua chávena de chá ficando fria sobre a mesa
enquanto você fala sobre raízes quadradas
enquanto você fala sobre ladrões de figos
enquanto você fala sobre o tropeço da baleia
subitamente eu já nem sei sobre o que você fala
porque a forma como seu dente incisivo corta
e suspende toda a beleza da cafetaria
faz com que eu novamente entenda que 
pelo sétimo dia é chegada a hora do cuco
e do canto do cuco
portanto eu pego minha bicicleta
e como de costume você faz meu retrato
de cabelo todo desenhado no vento
em jeito de menino que está sempre indo embora
voltará à mesma hora para o mesmo amor
a mesma mesa a mesma explosão 
com toda a certeza a mesma fuga
porque você e eu a gente é feito de matéria
escorregadia, i.e., manteiga, azeite, geléia
e espanto.

Matilde Campilho


segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Acquainted with the Night - Robert Frost

I have been one acquainted with the night.
I have walked out in rainand back in rain.
I have outwalked the furthest city light.

I have looked down the saddest city lane.
I have passed by the watchman on his beat
And dropped my eyes, unwilling to explain.

I have stood still and stopped the sound of feet
When far away an interrupted cry
Came over houses from another street,

But not to call me back or say good-bye;
And further still at an unearthly height,
One luminary clock against the sky

Proclaimed the time was neither wrong nor right. 
I have been one acquainted with the night.

sábado, 29 de setembro de 2018

Refúgio - Vítor Nogueira

Seja como for, só te podes culpar a ti mesmo.
De algum modo, sempre foste fascinado
pelas estrelas. Mas um céu nebuloso decidiu
juntar-se a ti, sombras opacas num jogo
complicado. Já não é como um vestido,
não podes espreitar por baixo. Setembro
traz consigo os dias curtos. Tens de encontrar
um refúgio, por mais pequeno que seja.


Vítor Nogueira. Segunda Voz. Lisboa: Averno, 2014.

terça-feira, 25 de setembro de 2018

Fim da Era - Manel Seatra


As paredes fecham-se aos intrusos, a cidade torna-se num cubo de luzes e suspiros e
as rotundas são sempre desenhadas a compasso, sem falhas de circunferência
imprecisa ou de batota nos cálculos.

Dias de Folga. Lisboa: Douda Correria, 2018.

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

De Negociar e Traficar - Helga Moreira

De negociar e traficar
estou farto.
Je est un autre.

A que distância dele, disso,
em outro me tornei?
Escrevo à minha mãe.

Quantas dores, queixumes lhe envio?
Dou-lhe conta de desacertos
lucros, prejuízos.

Je est un autre.
Sempre o soube.
Acaso saberei?

Isto te queria dizer, mãe.
Perdi a vida.
Par délicatesse, par délicatesse.

Por apenas isso, pedir.
Isto te queria dizer, mãe, 
na última carta que não escrevi.

Agora que falamos de morrer, 2006.

terça-feira, 4 de setembro de 2018

Apareció bella y esquiva - Serdan Zelaya

Apareció bella y esquiva.
Callada también.

Era una mujer hecha de finales
sus ojos terminaban algo
sus manos con un fin inequívoco.

Nada en ella comenzaba.

Su pelo derrumbado
de besos acostados
y el desnudo agotado.

domingo, 2 de setembro de 2018

NIGHTHAWKS AT THE DINNER - Manuel de Freitas

Não sei se existe isto de que falo,
mas deixa-me reparar um pouco
no teu modo ternamente animal
de confundir palavras e sentimentos,
num quase-silêncio desabrigado e informe. 


Um corpo serve para muito pouco,
desde os caprichos da libido
às infecções urinárias. Coisas às vezes
parecidas que disfarçamos com vinho
e com uns restos de astúcia. Não me ouças,
se não quiseres. Ainda não se perdeu o lume
das mãos redondas com que te despes
a um canto, singularmente igual
ao que de ti recordo num outro Inverno
distante. Deixemo-nos ficar esta noite,
enquanto Tom Waits nos volta a falar
de um camião chamado Phantom 309
ou de outra coisa qualquer, singularmente
igual - um pouco mais triste, talvez. 
Não é isso que importa. Também cada um de nós
terá um dia de se despistar ao encontro
de alguma certeza irrisória e no entanto mortal. 


Que o vinho não acabe, entretanto, e 
que as canções não pereçam nesta noite
cativa do lume mas friamente corrupta. 
Só nos teus lábios posso encontrar os teus lábios.
Eis uma parva verdade a que por vezes regresso,
mais importante decerto do que a sagesse de Verlaine
ou do que aquele velho bar onde dantes, pelo
fim da tarde, cumpríamos o amor. Deixa lá, no exacto 
sítio da morte, essa teimosa paixão que não morre
nem finge viver. Tudo isto é inútil, embora
o empadão estivesse bom e eu já não saiba sequer
quantos anos passaram desde que um ao outro
oferecemos o engano e a miséria de um rosto. 
O vinho depressa acabou, e é entre os teus seios
que agora adormeço, como se houvesse um lugar. 


Daqui a algumas horas esperar-nos-á,
crudelíssimo, o terror tépido de mais um domingo
absolutamente dispensável. Só então saberemos
o que desta noite há-de a memória roubar. 
Talvez um perfume a doer-lhe feliz, ou as roucas
onomatopeias de uma certeza insegura
- do lado mais esquivo da morte.


Mas bastam-me para já as mãos redondas
gentis que fazem chover o teu nome
sobre as ruas desertas do meu coração. 

Manuel de Freitas, Sunny Bar. Alambique, 2015

segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Afterlife - Rachael Boast

Afterlife

Late nights like unopened letters
the fold coming unstuck
from this one in the moist air
the message made prescient
by the way in which a wave
lifting from the surface of itself
could be lifted further
enough to reach into it and grasp
from under its erratic stars
the unwritten hour before dawn

Void Studies. Picador, 2016.

sexta-feira, 20 de julho de 2018

All Day Permanent Red - Cristopher Logue

To welcome Hector to his death
God sent a rolling thunderclap across the sky
The city and the sea
      And momentarily—
The breezes playing with the sunlit dust—
On either slope a silence fell.

   Think of a raked sky-wide Venetian blind.
   Add the receding traction of its slats
   Of its slats of its slats as a hand draws it up.
   Hear the Greek army getting to its feet.
   
   Then of a stadium when many boards are raised
   And many faces change to one vast face.
   So, where there were so many masks,
   Now one Greek mask glittered from strip to ridge.
   Already swift
Boy Lutie took Prince Hector’s nod
And fired his whip that right and left

segunda-feira, 16 de julho de 2018

Teatro - Ana Martins Marques

Certa noite 
você me disse 
que eu não tinha 
coração

Nessa noite 
aberta
como uma estranha flor
expus a todos
meu coração
que não tenho


terça-feira, 10 de julho de 2018

The Fox - Katerina Iliopoulou

In a sheath of light she appeared
Crossed the road
A small brown fox.
And again the next evening
Behind a bush fleetingly 
And another time only her tail
Swept the darkness
And from then on 
Her paws walking inside your eyes
Her warm furry body
Quivering between us.
Always passing never stationary.
"But who are you?" we asked
"I am" she said, "what is always in excess".

Tradução de John O'Kane.

Retirado daqui.

terça-feira, 3 de julho de 2018

terça-feira, 5 de junho de 2018

As coisas frágeis - Inês Fonseca Santos

Cortam os vasos, as veias. Minúsculas,
as coisas nas pontas dos dedos
são feitas de vidro partido.
Invisíveis aos olhos, levam com elas
as nossas impressões
digitais.



domingo, 20 de maio de 2018

Ossos - Beatriz Hierro Lopes

Os ossos dos pássaros mortos como relíquias de santos: usá-los-ia a todos se com isso achasse encontrar boa sorte. E se me perguntassem que ossos seriam aqueles que levaria ao peito, diria que são dos santos mais poluentes desta terra onde já não moram só gaivotas.

Mas não lhes conheço milagres: notícias de pássaros que curem vagabundos de cegueira, diabetes ou simples bebedeira. O seu propósito, destituído e substituído pelo quedar do olhar sobre o alcatrão; toda a mortalidade ali, e ainda assim a cegueira sem cura, que por não serem bichos religiosos não sabem abençoar os olhos aos que passam; nem ouvir deus recitando horários e mandamentos às rotinas. Acho que todos devíamos levar salmos nos bolsos, coisas de fácil digestão nos intervalos entre os subterrâneos.

Só à face das pedras os pombos revelam o seu lado mais secreto, por lhes conhecerem a natureza perversa com que provocam acidentes aos que as atravessam no inverno.

Desconfio dos pássaros por só os encontrar mortos. Tão pobremente mortos que nem sepultura, só os veios estreitos entre as pedras de granito até que se somem debaixo das solas dos sapatos ou na terra que dá às pedras a ilusão da unidade. Nisso lembram-me pessoas.

Divido-as por ordem poética: se uma elegia é uma gaivota à sombra, imaginando ser um abutre em áfrica, um soneto é um canário enclausurado numa gaiola demasiadamente espaçosa para a fome do gato, e uma redondilha é um pardal de pata partida encontrando conforto nas mãos de uma criança que, sem querer, o asfixia enquanto corre para o ir mostrar à sua mãe.

Os pássaros, como a poesia e como as pessoas, só servem para mostrar que a morte habita cada rua. E eu usaria um colar de ossos de finas asas, onde se gravassem os poemas de que mais gosto, se achasse que isso serviria para mudar a minha sorte de velório.