quarta-feira, 22 de julho de 2015

Comparação Da Dimensão Do Espaço Depois Da Subtração Da História

“You can´t escape the past in Paris, and yet what´s so wonderful about it is that the past and presente intermingle so intangibly that it doesn´t seem to burden.”
                                                         Allen Ginsberg

Tens razão quando dizes que Montmartre é como a aldeia
           do meu pai, mas a aldeia do meu pai
Sempre comeu e bebeu  o que o suor e a terra lhe deu,
           lá se plantava e lá se colhia, em Montmatre
Há uma vinha cujo vinho quase ninguém prova, mas tanta
           gente conhece e viu, não me parece
Que comam as heras que crescem na paredes das casinhas,
           nem vi galinhas a correr pelas ruas
Ou debaixo das mesas dos cafés, vi sim uma ou outra pomba,
           aves citadinas essas, que raras vezes
Vi na aldeia do meu pai a pedinchar um pedaço de pão, na aldeia
            do meu pai não há pedintes
De nenhum tipo, só portas abertas e a partilha do pouco que se tem,
            mas Montmartre respira
Ainda, mesmo que o sangue seja vinho daqui ou dali, as casas
            brilham e no seu tamanho são
Maiores do que o desprezo dos descendentes que herdaram telhas
            que apodrecem e cedem
Tudo, colapsando todas as noites à lareira, todos os gemidos nos
            partos em colchões de palha,
Todos os gatos que entravam por buracos pequenos em baixo das
            portas, como o frio
Entrava nos ossos da gente, Montmatre tem ainda luz, tem olhos,
            tem gente, gente que
Procura nas ruas a presença de quem já lá não está, mas tens razão,
            as ruas são tão largas
Num lugar como noutro, apesar da macadamização ser bem recente
            num lado e estar
Já bem polida noutro, falta gente e uma cidade inteira aos pés para
            se poder comparar,
Mas mesmo assim, não sei onde me sinto mais em casa, se onde
            as memórias são minhas,
Se onde as memórias são as que queria que fossem minhas, noutros
            tempos, as mesmas pedras.


João Bosco da Silva. Retirado daqui.

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