“You can´t escape the past in Paris, and yet what´s so wonderful
about it is that the past and presente intermingle so intangibly that it
doesn´t seem to burden.”
Allen Ginsberg
Tens razão quando dizes que Montmartre é como a aldeia
do meu pai, mas a aldeia do meu pai
Sempre comeu e bebeu o que o suor e a terra lhe deu,
lá se plantava e lá se colhia, em Montmatre
Há uma vinha cujo vinho quase ninguém prova, mas tanta
gente conhece e viu, não me parece
Que comam as heras que crescem na paredes das casinhas,
nem vi galinhas a correr pelas ruas
Ou debaixo das mesas dos cafés, vi sim uma ou outra pomba,
aves citadinas essas, que raras vezes
Vi na aldeia do meu pai a pedinchar um pedaço de pão, na aldeia
do meu pai não há pedintes
De nenhum tipo, só portas abertas e a partilha do pouco que se tem,
mas Montmartre respira
Ainda, mesmo que o sangue seja vinho daqui ou dali, as casas
brilham e no seu tamanho são
Maiores do que o desprezo dos descendentes que herdaram telhas
que apodrecem e cedem
Tudo, colapsando todas as noites à lareira, todos os gemidos nos
partos em colchões de palha,
Todos os gatos que entravam por buracos pequenos em baixo das
portas, como o frio
Entrava nos ossos da gente, Montmatre tem ainda luz, tem olhos,
tem gente, gente que
Procura nas ruas a presença de quem já lá não está, mas tens razão,
as ruas são tão largas
Num lugar como noutro, apesar da macadamização ser bem recente
num lado e estar
Já bem polida noutro, falta gente e uma cidade inteira aos pés para
se poder comparar,
Mas mesmo assim, não sei onde me sinto mais em casa, se onde
as memórias são minhas,
Se onde as memórias são as que queria que fossem minhas, noutros
tempos, as mesmas pedras.
João Bosco da Silva. Retirado daqui.
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