sexta-feira, 26 de julho de 2013

Segredo - Fernando Pinto do Amaral

Esta noite morri muitas vezes, à espera
de um sonho que viesse de repente
e às escuras dançasse com a minha alma
enquanto fosses tu a conduzir
o seu ritmo assombrado nas trevas do corpo,
toda a espiral das horas que se erguessem
no poço dos sentidos. Quem és tu,
promessa imaginária que me ensina
a decifrar as intenções do vento,
a música da chuva nas janelas
sob o frio de fevereiro? O amor
ofereceu-me o teu rosto absoluto,
projectou os teus olhos no meu céu
e segreda-me agora uma palavra:
o teu nome — essa última fala da última
estrela quase a morrer
pouco a pouco embebida no meu próprio sangue
e o meu sangue à procura do teu coração.


Às Cegas, Relógio D'água, 1977.

terça-feira, 23 de julho de 2013

Rui Caeiro

Um poema de amor que ninguém
tivesse feito e só um merecesse
e só o outro entendesse

E aí estaria ele o amor
em estado de pura nudez
litográfica à século das luzes

O Quarto Azul e Outros Poemas, Letra Livre, 2011

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Shel Silverstein - Openin'Night


She had the jitters
She had the flu
She showed up late
She missed her cue
She kicked the director
She screamed at the crew
And tripped on a prop
And fell in some goo
And ripped her costume
A place or two
Then she forgot
A line she knew
And went “Meow”
Instead of “Moo”
She heard ‘em giggle
She heard ‘em boo
The programs sailed
The popcorn flew
As she stomped offstage
With a boo-hoo-hoo
The fringe of the curtain
Got caught in her shoe
The set crashed down
The lights did too
Maybe that’s why she didn’t want to do
An interview.

Retirado daqui.

terça-feira, 16 de julho de 2013

Afinal acabo sempre por falar de ti

Aqui de novo estou, cantiga, neste
lugar de eleição onde retomo a escrita.
É um vagar premeditado, no regresso ao corpo,
em demorado gosto de bebida dupla. Reparo: a carga
das palavras, canga difícil para quem
deste modo quer fazer o mosto. A poesia
já regressa, por entre cortinados e veludos
e o quarto, a sala, os corredores, o vão
da escada, ressoam com seus passos,
afinal tão leves - a neve no soalho,
difícil no silêncio. Dizia no regresso; assim
desfaço os nós do medo: floresta e engano,
areal distante. Sorris e tudo é novo.
Sim: acabo sempre por falar de ti.


Eduardo Guerra Carneiro, Contra a Corrente, Lisboa, &etc., 1988

segunda-feira, 15 de julho de 2013

New Orleans Review - 39.1

Contributors: LaShonda Katrice Barnett, Monica Berlin, José Duarte, Harold Jaffe, LaTanya McQueen, Beth Marzoni, Jason Myers, Katie Jean Shinkle, Jane Wong

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Let's Get out of this Country


Todos os dias caminho cerca de 4km a fim de expulsar os demónios que existem em mim. Na maior parte das vezes tenho sérias dúvidas de que funcione, mas lá o continuo a fazer, talvez mais por hábito do que por outra coisa qualquer. Na verdade, há dias em que só me apetece é continuar a andar e pronto. Esvaziar a cabeça e só andar. No outro dia, num acesso nostálgico - é engraçado como se usa esta palavra para um album de 2006 - resolvi ouvir o Let's Get Out of this Country dos fabulosos Camera Obscura, banda genial de Glasgow e, enquanto entoava a melodia e andava, apercebi-me de que a minha cabeça estava a encher-se de ideias.  

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Jaime Rocha

13.

De novo o corpo dela sobressai
no meio das rochas e, mais tarde,
ao fundo da praia, o seu vulto
assemelha-se a uma árvore nua.

Sou eu que caminho para ti,
diz a mulher.

E a sua sombra parece agora uma
outra figura, um pedaço de barro
caído ao chão, nessa fotografia
comida pelo tempo__________

um tempo colado à árvore onde
o cão se enrosca como se ali estivesse
estado sempre um barco à espera
das ondas pequenas.


in Mulher Inclinada Com Cântaro, de Jaime Rocha, volta d' mar, 2012 

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Abelard and Eloise - John Burnside

A story the Sisters would tell
for reasons of their own
to children in the slurred chorale
of puberty
and longing at first sight,
it never quite
rang true and, even now,
I half-remember
what I learned elsewhere
from vintage porn
and matinees of noir
whenever I think of them,
parted and settled in
to make the best
of distance, which is far
more beautiful
than half a century
of House & Home;
and I always suspect they’re
relieved,
when the world stalls around
their letters, ermine and bells
and decades of physick
come to a perfect
standstill,
the ink running dry
and the good task of filling the well,
or going about the room
in the honeycombed light,
more pleasing, now,
than what they thought they wanted.


Retirado daqui.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Blue Being - James Franco

There is a surface

That we all make together

And the wild man

Seems to pop through



Like a line dancer out of step

And others start complaining

That he doesn’t know the moves

And he’s stepping on everyone’s toes.



There was a man named Mike

Who called my father five times a day.

You’d hear each burdened voice of the family

Shout across the house,



Daaad, it’s Mike.



At dinner my father often explained

That Mike saw demons.

They spoke to him,

He thought they were real.



I pictured a flaming blue being

Entering the dingy room,

And sitting by Mike

On the gray sheeted bed.


In Strongest of the Litter, Hollyridge Press, 2012.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Acordar noutro lugar

        Não sei bem há quanto tempo já não escrevo nada. Ou melhor, vou escrevendo, mas sinto que não estou no caminho certo, e rapidamente fico cansado. Talvez seja esta coisa toda de tentar forçar algo de brilhante - como se isso fosse possível - e nem sequer falo de poesia ou, eventualmente, sobre um pedaço de não-ficção bem escrita. Custa avançar a passos lentos, evito todos os pequenos momentos para voltar à escrita porque sei que vou querer apagar tudo o que tinha escrito com tão boa vontade e de forma tão alegre. É sempre assim: no dia seguinte parece que acordo noutro lugar e que as palavras usadas não têm qualquer sentido. Isto não é só perfeccionismo. É outra coisa qualquer. É uma capacidade qualquer de comprometimento com a escrita que, na maior parte das vezes, parece não querer acontecer.
          Ainda no outro dia uma amiga minha dizia que os homens (alguns, note-se) são muito infantis. É normal, disse-lhe eu, falta-lhes um certo sentido de comprometimento com as coisas. Quando as mulheres já estão prontas para seguir em frente na vida, casar e ter um filho, os homens ainda estão a pensar na melhor forma de derrubar os pássaros no próximo nível do "Angry Birds". É assim as regras: alguns de nós funcionam dia-a-dia o que, de resto, é cada vez mais um reflexo desta crise. Talvez por isso também eu me sinta em crise na escrita e quanto mais penso nela pior.
        Mas não posso fazer nada a não ser abrir o documento word, continuar a olhar para o que já escrevi com um certo ar irritado, pensar como seria bom apagar tudo o que tenho, escrever de novo, e, no dia seguinte, acordar no mesmo lugar. Mas sei bem que cada dia é um novo lugar, cada dia é uma nova forma de escrever, de dizer o que me rodeia. Se fosse de outra maneira seria monótono e irritante. Abro o documento, olhos para as palavras, começo a cortar e substituir expressões, frases e sei que este vai ser mais um daqueles dias. Às vezes, para relaxar, tenho uma página aberta no "Angry Birds" e sempre me distraio.