segunda-feira, 25 de abril de 2016

Um poema de Marta Bernardes

Ninguém sabe ao certo
Como é que o tempo caminha
Se é como a areia do deserto
Ou se é em forma de linha.

Se nos atravessa como uma flecha
Ou se nós é que o fazemos existir
Se rodopia, se abre e fecha…
Um círculo que vive a ir e a vir.

Se é como nenúfares
Que podemos saltar
Para trás e para a frente

Ou se é como o vento
Que não vemos
Mas levanta os cabelos à gente.

Marta Bernardes. Ícaro. Lisboa: Mariposa Azual, 2016. 

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Collaboration - Ciarán Carson

I am being paraded through the streets with my head shaved,
with no memory of what I have done to deserve this.

I run a gauntlet of women who call me slut and whore,
staggering under their fusillade of accusation:

What stories did I tell, what lies? What names did I reveal?
What men did I sleep with? What did I do? For what reward?

Or in a catacomb deep under Paris they press gloves
of barbed wire on to my bare hands, and when the wounds have healed

they point to the brambles left on my palms, saying, Surely
these lines of head and heart and mind are those of a traitor.

When you wake I hold you tight, saying, It’s only a dream,
the language of dream has nothing to do with that of life.

And as eventually you sink back into the deep well
of sleep, I wonder if by my words I have betrayed you.

Ciarán Carson. "Collaboration". For All We Know, 2008.


sábado, 16 de abril de 2016

Nocturno para Varsóvia - Filipa Leal

Gostava de te convidar para minha casa,
como aos amigos nos velhos tempos.
Abria uma garrafa de vinho e contava-te de quando era pequeno
e tu contavas-me de como te corre o emprego, o amor.
Vemo-nos todos os dias e falamos tão pouco.
Estendo-te a mão e às vezes dás-me uma moeda,
mas falamos tão pouco.
Gostava de te convidar para minha casa
mas não tenho casa, vai ter de ficar para a próxima.


Filipa Leal. Vem à Quinta-feira. Lisboa: Assírio & Alvim, 2016.


terça-feira, 12 de abril de 2016

Explicação da Ausência - Daniel Faria

Desde que nos deixaste o tempo nunca mais se transformou
Não rodou mais para a festa não irrompeu
Em labareda ou nuvem no coração de ninguém.
A mudança fez-se vazio repetido 
E o a vir a mesma afirmação da falta.
Depois o tempo nunca mais se abeirou da promessa
Nem se cumpriu 
E a espera é não acontecer - fosse abertura - 
E a saudade é tudo ser igual. 

Daniel Faria. Explicação das Árvores e de Outros Animais. 1998.

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Van Gogh, a orelha e os corvos - António Amaral Tavares

Cortar uma orelha é coisa pouca
para quem tanto ouve pancadas de luz.
E talvez à luz tenha entregue afinal
em demasia o lodo que vertia em
cada quadro. Um campo de trigo
devassado por corvos faz-nos perguntar
que morada ocuparão eles findo o verão
esse vocabulário mínimo de morte.

E sábio como era apontou a arma.

António Amaral Tavares. Telhados de Vidro. Coimbra: Palimage, 2012. 

Retirado daqui.

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Escuro - Rui Pires Cabral

Pergunto-me desde quando 
deixou de haver futuro 
nas janelas.

Janeiro dói nos olhos
como areia
e tu e eu estamos para sempre
sentados às escuras 
no Verão.