quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Death is a Drummer, Manuel de Freitas

Não há nada a fazer: domingos. Espesso,
demasiado claro, o silêncio tomba
sobre as ruas da cidade - e Junho
é um mês difícil, digam o que disserem
os ingleses e os poetas promovidos
pela cruel certeza de Abril. Junho,
ao domingo: no meu bairro fecharam
as lojas, as mercearias e os restaurantes.
Aberta, no entanto, a agência funerária,
mesmo em frente à casa de um poeta
amigo. E as tabernas que sobrevivem
- calçada dos Mestres n.º 44,
rua de Campolide n.º 82 - com
seus restos de tristeza, serradura e óleo.

Os santos (populares) repousam hoje
nos meus ombros terminais.
Nenhum trânsito, parcos transeuntes
hesitam em poluir a minha solidão
retórica. Um fado suspenso,
dir-se-ia, o bolor que devagar se forma
em volta de um manjerico falso.

Na porta da oficina de automóveis
uma cruz de cinza fotocopiada
justifica o ócio, a urgência de uma farda
já sem manchas de óleo (mas antes fumo
e gravata). Sim, a morte. haverá
outro assunto? Tão óbvias sempre, e
mais próximas, as carícias com que chega
ao rosto que estamos a deixar de ter.

Sem sinos nem gritos de amor
bem temperado, ouve-se na tarde
apenas o rumor íntimo e distante
de um tambor que nos chama,
incessantemente. E os poemas,
os poemas todos, lhe obedecem.

Para que seja domingo sobre a terra
que pesada e fria nos esquece,
nos esqueceu já.


Manuel de Freitas, [SIC] ,
Lisboa, Assírio & Alvim, 2002

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Exercício de Ruptura


ela espera-o ansiosamente.

sempre que pode, sonha com ele a entrar em casa,

a mão a abrir a porta, a cumprimentar o cão de loiça,

a abrir os braços em vez de os levantar.

tem uma manta de retalhos que lhe quer oferecer

e que faz e desfaz, dado o nervosismo,

a incerteza de que o produto não é fiel.

trata as fotografias antigas por tu,

como velhas companheiras de viagem e

chora a ausência da sua antiga família.

quando vê filmes, também ela

acha que já foi rainha.

ele é camionista ou imigrante ou sei lá.

de vez em quando telefona-lhe e diz que

em breve estará em casa.

ela ouve sons, a estrada, o asfalto,

às vezes os motéis, quase que tosse de sentir tanta sujidade,

as sirenes, a água a correr.

ela quando pode deita-se e sonha.

aguarda. ele quando se deita sabe que não poderá

regressar.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Lançamento do Livro João Resolve o Seu Mistério

Convite para estarem no lançamento do meu novo livro: João Resolve o Seu Mistério
Apresentação a cargo de Professora Doutora Isabel Fernandes
13 de Dezembro, 17h30
Instituto dr Cultura Americana
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa




terça-feira, 29 de novembro de 2011

Miguel-Manso: Um poema



BALADA DA RUA DAMASCENO MONTEIRO


ardia de amor pela casa

numa confusão de silêncios ou

dizendo de outro modo


afundava-se numa líquida recordação cardíaca


ocultos pólen pólvora fósforos

a má reputação dos dedos

paixão cartografada remota

toponímia dos enganos


braço a braço crescia alto

o incêndio no interior do peito

deliberado ritual de lâminas e pele

a transparente certeza

da cicatriz


mas ardia de amor pela casa soturna

silêncio dando para o saguão luz muitíssimo

extinta por sobre a larga extensão destruída


morrer, principalmente de amor, é

uma compendiosa tarefa doméstica


dentro do coração antigo

serei breve


Miguel-Manso, Contra a Manhã Burra, Lisboa: Mariposa Azual, Maio de 2009

Retirado do blog de poesia As Folhas Ardem

Mint Julep - Why Don't We

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Monsieur Pain - Roberto Bolaño



I shall die in Paris, in a rainstorm,
On a day I already remember.
I shall die in Paris-- it does not bother me--
Doubtless on a Thursday, like today, in autumn.

Cesar Vallejo

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Lugano, Tatiana Faia


JANO BIFRONTE

alinhados esperamos o primeiro

o perecível fio da manhã com os seus guizos

essa luz de cinza e azul que no chão

decidirá dos nossos rostos esperando partir

para a promessa da manhã que suave se inclina

e como acontece no poema de dylan thomas

temos estrelas tatuadas nos cotovelos e nos pés

.

e tu dirias não sei porquê dias que das moedas têm as duplas faces

onde com tanta concisão nos iluminamos e apagamos sem

termos envelhecido nos espelhos por onde seguimos cantando

e eu sei tu tê-lo-ias dito como se partilhássemos o mesmo chão

e aos poucos fôssemos sendo o que todos os homens são

.

semelhantes àquele deus bifronte que sempre apontando

em imperfeitos gestos duas coisas tão opostas

inspira em nós um amor pelas coisas tão dilacerado


quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Recreio por José Mário Silva



Caruma, raízes escuras, manchas
de luz entre as árvores. Enquanto
ali estávamos o colégio era um
vulto branco a arder ao sol,
lugar de gramática e geografia,
salas onde a voz do ditado
ecoava e a que nem sempre
queríamos regressar. Às vezes
a tarde imobilizava-se quando
partíamos pinhões com pedras
aguçadas e sentíamos nos dedos
a textura da resina. Jogávamos
à bola com pinhas, usávamos
cuspo para limpar o pó dos sapatos
ortopédicos, esfolávamos joelhos
– rituais infantis como tantos outros,
condenados à nostalgia.


De Luz Indecisa, Oceanos, 2009.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Um poema do mestre

Deixarei os jardins a brilhar com seus olhos
Deixarei os jardins a brilhar com seus olhos
detidos: hei-de partir quando as flores chegarem
à sua imagem. Este verão concentrado
em cada espelho. O próprio
movimento o entenebrece. Mas chamejam os lábios
dos animais. Deixarei as constelações panorâmicas destes dias
internos.


Vou morrer assim, arfando
entre o mar fotográfico
e côncavo
e as paredes com as pérolas afundadas. E a lua desencadeia nas grutas
o sangue que se agrava.


Está cheio de candeias, o verão de onde se parte,
ígneo nessa criança
contemplada. Eu abandono estes jardins
ferozes, o génio
que soprou nos estúdios cavados. É a cólera que me leva
aos precipícios de agosto, e a mansidão
traz-me às janelas. São únicas as colinas como o ar
palpitante fechado num espelho. É a estação dos planetas.
Cada dia é um abismo atómico.


E o leite faz-se tenro durante
os eclipses. Bate em mim cada pancada do pedreiro
que talha no calcário a rosa congenital.
A carne, asfixiam-na os astros profundos nos casulos.
O verão é de azulejo.
É em nós que se encurva o nervo do arco
contra a flecha. Deus ataca-me
na candura. Fica, fria,
esta rede de jardins diante dos incêndios. E uma criança
dá a volta à noite, acesa completamente
pelas mãos.




Herberto Helder
Cobra
Poesia Toda
Assírio & Alvim
1979

Um excelente momento de humor

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

The Road - Cormac McCarthy


The Road Not Taken - Robert Frost

Robert Frank, 34th Street, 1951.


The Road Not Taken (1915)

Two roads diverged in a yellow wood,
And sorry I could not travel both
And be one traveler, long I stood
And looked down one as far as I could
To where it bent in the undergrowth;

Then took the other, as just as fair,
And having perhaps the better claim
Because it was grassy and wanted wear,
Though as for that the passing there
Had worn them really about the same,

And both that morning equally lay
In leaves no step had trodden black.
Oh, I marked the first for another day!
Yet knowing how way leads on to way
I doubted if I should ever come back.

I shall be telling this with a sigh
Somewhere ages and ages hence:
Two roads diverged in a wood, and I,
I took the one less traveled by,
And that has made all the difference.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Siri Hustvedt na Faculdade de Letras

A ler


Uma casa que se torna num cinema, o cinema que se torna numa casa.
Viver pelas imagens, ou melhor, tentar viver através das imagens. Uma obra de não-ficção bastante interessante. A história de um pai que deixa o filho desistir da escola se ele vir três filmes por semana com ele.

David Gilmour, The Film Club (2008), 220 pp.


A escrita em Dias



sexta-feira, 28 de outubro de 2011

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Somewhere

Primeiras Impressões - O primeiro post

Poema inédito:


I

comprometemo-nos com a palavra

e não ganhamos nada, apenas a aventura

da incerteza quando o que dizemos toma conta de nós

como um fogo e decidimos contar ao mundo como é belo

o poder, como é terrível o poder

como as mãos tremem ainda

na ponta da caneta desenha-se a extensão de um canivete

que começa a cortar, empilhando as letras como nas palavras cruzadas

um jogo de idade que nos toma todo o tempo do mundo,

um jogo complicado onde a mente empata com a voz

porque a mão não se decide a escolher

qual o termo exacto, qual a maneira mais certa de dizer

falar para o papel

a difícil arte faz-nos suar temporariamente e viaja na nossa

cabeça enquanto experimentamos a passos pequenos um lado

do passeio, depois outro

o corpo a andar, esquerda, direita

e, por vezes, impreciso pára e recomeça

a caneta

desliza lentamente agrupando as ideias

para, em seguida, as espalhar como uma colagem

e isto é tudo o que acontece

como acontece ao corpo

querer dizer e não poder falar