Não há nada a fazer: domingos. Espesso,
demasiado claro, o silêncio tomba
sobre as ruas da cidade - e Junho
é um mês difícil, digam o que disserem
os ingleses e os poetas promovidos
pela cruel certeza de Abril. Junho,
ao domingo: no meu bairro fecharam
as lojas, as mercearias e os restaurantes.
Aberta, no entanto, a agência funerária,
mesmo em frente à casa de um poeta
amigo. E as tabernas que sobrevivem
- calçada dos Mestres n.º 44,
rua de Campolide n.º 82 - com
seus restos de tristeza, serradura e óleo.
Os santos (populares) repousam hoje
nos meus ombros terminais.
Nenhum trânsito, parcos transeuntes
hesitam em poluir a minha solidão
retórica. Um fado suspenso,
dir-se-ia, o bolor que devagar se forma
em volta de um manjerico falso.
Na porta da oficina de automóveis
uma cruz de cinza fotocopiada
justifica o ócio, a urgência de uma farda
já sem manchas de óleo (mas antes fumo
e gravata). Sim, a morte. haverá
outro assunto? Tão óbvias sempre, e
mais próximas, as carícias com que chega
ao rosto que estamos a deixar de ter.
Sem sinos nem gritos de amor
bem temperado, ouve-se na tarde
apenas o rumor íntimo e distante
de um tambor que nos chama,
incessantemente. E os poemas,
os poemas todos, lhe obedecem.
Para que seja domingo sobre a terra
que pesada e fria nos esquece,
nos esqueceu já.
Manuel de Freitas, [SIC] ,
Lisboa, Assírio & Alvim, 2002
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