segunda-feira, 17 de agosto de 2015

A poem by Kate Tempest

In the old days
The myths were the stories we used to explain ourselves.
But how can we explain the way we hate ourselves,
the things we've made ourselves into, 
the way we break ourselves in two,
the way we overcomplicate ourselves?

But we are still mythical.
We are still permanently trapped somewhere between the
      heroic and the pitiful.
We are still godly;
that's what makes us so monstrous.
But it feels like we've forgotten we're much more than the 
       sum of all
the things that belong to us.

The empty skies rise
over the benches where old men sit - 
they are desolate and friendless
and the young men spit;
inside they are delicate, but outside they're reckless and
      I reckon 
that these are our heroes,
these are our legends.

From Brand New Ancients. Bloomsbury, 2013.   

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Poema - Manuel de Castro

A noite está líquida oclusa vegetal
é um corpo longilíneo e desmembrado
flui como um rio de si mesmo alheio
flui e envolve pressagiando cárceres
a noite tem hoje uma altitude especial
com aves negrejando lentamente
neste desintegrar-se de memória
e eu sou uma alucinação rítmica
com um tempo corpóreo a devorar
um mar excessivamente quieto na cabeça
excessivamente muscular e lúcido
a noite distribui pedaços de lua
aos farrapos na inconsciência dos prédios
sobre a cidade a cidade a cidade louca
que desvairou nas minhas mãos nos dedos
possuída de um candelabro antigo a partir-se
um lampadário cristalino e rutilante
a quebrar-se com súbitos estilhaços pela noite fora
viajo nitidamente pelo passado
na organização de um jogo de perigo:
o meu amor é a aquisição de uma técnica
um processo de transformação dos corpos
a prospecção dramática dos ritos
uma queda livre e vertical
um olhar imóvel sobre o mar
a oferta do tempo sem comércio nem ódio
fibra a fibra
do tempo crivado de buracos baleado
assassinado corrupto perdido
o meu amor é correcta magia dos sons
a ultrapassagem da noite
fulminante e arrebatada num círculo de fogo
coberta de engenhos de destruição
correndo extensamente sem peso
o meu amor é uma trovoada nas margens da noite
uma proposta veiculada a sangue
patrocinada pelos mortos deambulantes
e é ainda a carcaça húmida dos barcos
destroçados n’areia
a noite é um coral magnífico na noite

Retirado daqui.

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Sharon Van Etten em NY



Estar em apuros.

*

Deixar um grande amor em Port Authority. Ouvir música pelas ruas ocupadas de Times Square. Cliché: a luz é tanta que parece que é sempre de dia.

*

Pensar que sou um flâneur moderno, a ouvir Sharon Van Etten. O sol a esconder-se por as avenidas.
Eu a caminho. 

*

Um pequeno momento e eu distraio-me. Ruas já não são ruas. Vejo pequenos bairros e lembro-me das excelentes descrições de Paul Auster. É aqui a vida acontece, a verdadeira vida. 


Penso: estou a caminho de Union Square, mas não a encontro. E não interessa. Não me faz diferença estar perdido. É, aliás, condição em que me tenho encontrado nos últimos tempos. Ouço Sharon Van Etten - penso num grande amor - e as ruas parecem mais encantadas.

*
A primeira vez em NY, local de encontros de desencontros, de amores e desamores. Um cigarro meio desajeitado nas mãos que nem cheguei a fumar. Dei-o ao sem-abrigo que mo cravou. De dia ou noite a cidade nunca pára.


No primeiro dia em que cheguei Sharon Van Etten ia dar um concerto. Não conhecendo a cidade tive algum receio. Agora encontro-me completamente perdido - "Every Time the Sun Comes Up" é a música da minha desorientação geográfica. Mas não me preocupo. Nunca me preocupo nestes casos.

*

Telefono a avisar que vou chegar atrasado. Não é fácil deixar um grande amor. Nada fácil. Perder-se nesta cidade é menos complicado do que um grande amor. Mas também não é difícil encontrar um lugar.

*

Vários Kms depois, sem preocupações, um punhado de música fabulosas nos meus ouvidos, pergunto: "Excuse me sir, I am looking for Union Square." 
Pegou no telefone, iniciou a aplicação e disse: "Just walk 5 minutes straight ahead". 

E lá estava eu.