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domingo, 22 de dezembro de 2019

Raquel Nobre Guerra - Um poema de Senhor Roubado

«Quem nunca hesitou na paragem do 28
e pensou: ali vai a metáfora da minha vida.
E nem por pensá-lo escapou ao açude
de mandar parar tanta gente só por si.
Não é possível ser feliz com tanta correspondência
e entre nós que vamos em itinerários românticos
cruz na porta da tabacaria é tão-só o aviso
para lavar a cabeça contra o pessimismo.
Se não te aconchega o lumaréu de estar vivo
não te aflijas quando predizem a meteorologia
uma estação no inferno será sempre o destino.»

sábado, 23 de novembro de 2019

Um poema de Ramiro S. Osório

Excerto

na escola
quiseram ensinar-me
a ser infeliz
não quis
quando for grande quero ser eu
quero ser grego
um eu que rejeita ser adoptado
um eu que adopta ítaca
quando for grande quero ser o mar
quero ser os olhos marejados
de ulisses

terça-feira, 12 de novembro de 2019

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Um poema de Adolfo Luxúria Canibal

É demencial Não há palavras que
consigam dizer o horror
Vi um pobre homem agarrado ao que
restava da sua mulher
Errando pela baixa
Os olhos fixos num horizonte perdido
Sem uma palavra Sem um som
Arrastando a carcaça desfigurada
Por entre o trânsito do fim da tarde
Passei sem conseguir dizer nada
Ninguém dizia nada O silêncio
Acompanhava o olhar vazio A dor
A vaguear por entre as ruínas e o trânsito do fim da tarde
As pessoas apressavam-se por causa
do cair da noite
E o pobre homem seguia um destino
sem rumo
Arrastando o seu cadáver

Adolfo Luxúria Canibal. No Rasto dos Duendes Eléctricos. Porto Editora, 2019.

terça-feira, 24 de setembro de 2019

1. Babuska - a fragment by Branko Čegec


i haven't been happy for a long time.

california has sprouted in the garden and within it a destructive earthquake.
then stories, ordinary and brazen, flashed in the goulash and for a terribly long time tottered power. greasy young men and seedy years:
were the fleece and the attire, cold roast lamb,
a rocket limpet on the resounding lips:
a lullaby, the sleep of long marches, the gulag bird of prey, hysterical laughter of the cod in vladivostok:

'as if it were christmas eve in another country and as if the drums of powerlessness will never cease.'

quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Ars Poética - Manuel António Pina

Vai pois, poema, procura
a voz literal
que desocultamente fala
sob tanta literatura. 

Se a escutares, porém, tapa os ouvidos,
porque pela primeira vez estás sozinho.
Regressa então, se puderes, pelo caminho
das interpretações e dos sentidos.

Mas não olhes para trás, não olhes para trás,
ou jamais te perderás;
e teu canto, insensato, será feito
só de melancolia e de despeito.

E de discórdia. E todavia
sob tanto passado insepulto
o que encontraste senão tumulto,
senão de novo ressentimento e ironia?

segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Eda Ahi - dance lessons with gravity

they dance with you, gravity, everyone.
but only the brave know the steps they should take.
you’ve got that cruel but equalizing trait:
both rock and feather are attracted to you.

wearing your crown that depresses towards ground,
I obediently walk where you guide me to.
I love you heavily, dear gravity,
and wouldn’t exchange you, not even for wings.

sexta-feira, 7 de junho de 2019

Los Perros Romanticos - Roberto Bolaño

En aquel tiempo yo tenía veinte años y estaba loco. Había perdido un país pero había ganado un sueño. Y si tenía ese sueño lo demás no importaba. Ni trabajar ni rezar, ni estudiar en la madrugada junto a los perros románticos. Y el sueño vivía en el vacío de mi espíritu.
Una habitación de madera, en penumbras, en uno de los pulmones del trópico. Y a veces me volvía dentro de mí y visitaba el sueño: estatua eternizada en pensamientos líquidos, un gusano blanco retorciéndose en el amor.
Un amor desbocado. Un sueño dentro de otro sueño. Y la pesadilla me decía: crecerás. Dejarás atrás las imágenes del dolor y del laberinto y olvidarás. Pero en aquel tiempo crecer hubiera sido un crimen. Estoy aquí, dije, con los perros románticos y aquí me voy a quedar.

terça-feira, 21 de maio de 2019

Os Primeiros Dias - Miguel Filipe Mochila

A casa fica sempre demasiado longe,
até mesmo para quem, como tu,
conduzia apressado
um carro negro aceso sob a chuva.

Eram os primeiros dias.
Com o rádio desligado
murmuravas uma canção qualquer, decerto triste,
pois amar uma sombra, e uma sombra apenas,
não encerra nenhum mistério.

Fora
o silêncio húmido era às vezes atalhado
pelo breve grasnar contínuo das gaivotas.

O fumo do cigarro ainda quente pesava sobre o ar,
tornava mais difusa a imagem da planície
que os faróis fundidos no nevoeiro dividiam.

Eram os primeiros dias.
A teu lado, uma rapariga
calada olhava o retrovisor.

Em retirada, os pássaros
eram de súbito devorados pela música.

terça-feira, 14 de maio de 2019

From I Am Not Famous Anymore: Poems after Shia LaBeouf

The Artist, Looking at Himself

Does the static of water
do the same work
as the instincts of dreams?

And if so,
can the air be raw
like a knotted grip?

I am not the choice you make
but the mask you agreed upon,
every thought a tool

and the cold collapsing
around us
like blood in the sky.


Source: “#INTERVIEW” by Shia LaBeouf and Aimee Cliff, labeoufronkkoturner.com, October 2014

quarta-feira, 27 de março de 2019

O meu lugar no estado das coisas - Daniel Francoy

Conheço o meu lugar no estado das coisas
e não ouso dizer o sentimento do mundo.
O jardim renovado, os hibiscos em flor
não são o planeta inteiro e tampouco
o meu coração. Antes, são uma mentira
que frutificou melhor do que um poema.
Um simples arranjo de cores, como bananas
num quadro de natureza morta, como cédulas
antigas de dinheiro, tornadas singelas
porque agora nada valem e ninguém
– nem mesmo eu – viverá por elas.
Apenas um modo de se enternecer,
de talvez pedir perdão, uma maneira
sutil de não se confundir com os assassinos,
uma impotente variação do verbo resistir,
um pacífico modo de calar a boca,
de não gritar, de não se render
ao coração pleno de napalm, de estar
entre vizinhos no país ocupado.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

The Map - Elizabeth Bishop

Land lies in water; it is shadowed green.
Shadows, or are they shallows, at its edges
showing the line of long sea-weeded ledges
where weeds hang to the simple blue from green.
Or does the land lean down to lift the sea from under,
drawing it unperturbed around itself?
Along the fine tan sandy shelf
is the land tugging at the sea from under?

The shadow of Newfoundland lies flat and still.
Labrador's yellow, where the moony Eskimo
has oiled it. We can stroke these lovely bays,
under a glass as if they were expected to blossom,
or as if to provide a clean cage for invisible fish.
The names of seashore towns run out to sea,
the names of cities cross the neighboring mountains
-the printer here experiencing the same excitement
as when emotion too far exceeds its cause.
These peninsulas take the water between thumb and finger
like women feeling for the smoothness of yard-goods.

Mapped waters are more quiet than the land is,
lending the land their waves' own conformation:
and Norway's hare runs south in agitation,
profiles investigate the sea, where land is.
Are they assigned, or can the countries pick their colors?
-What suits the character or the native waters best.
Topography displays no favorites; North's as near as West.
More delicate than the historians' are the map-makers' colors.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

The Power - Paul Farley

Forget all of that end-of-the-pier
palm-reading stuff. Picture a seaside town
in your head. Start from its salt-wrack-rotten smells
and raise the lid of the world to change the light,
then go as far as you want: the ornament 
of promenade, the brilliant greys of gulls,
the weak grip of a crane in the arcades 
you've built, ballrooms to come alive at night,
then a million-starling roost, an opulent
crumbling like cake icing...
                                            Now, bring it down
in the kind of fire that flows along ceilings, 
that knows the spectral blues; that always starts
in donut fryers or boardwalk kindling 
in the dead hour before dawn, that leaves pilings 
marooned by mindless tides, that sends a plume 
of black smoke high enough to stain the halls
of clouds. Now look around your tiny room
and tell me that you haven't got the power. 

Paul Farley. Dark Film. Picador, 2012.