domingo, 29 de dezembro de 2019

Alexandre Sarrazola - Madrid

à beira da estrada para Meknès, por detrás do mato, escondida assistias
(demasiado perto da sua Toyota Hilux) ao buliçoso trabalho das três prostitutas;
na sombra fresca do quarto, de manhã ou depois da sesta, as quatro trocavam
djellabas coloridas e babouches bordadas com lantejoulas, para a Primavera


esta noite descemos, à luz de um petromax, os degraus que levam,
entre águas, gatos e urina, à estrada do Hotel Madrid e um homem
(que se enamorou de teus cabelos de prata) avisa-te de mão estendida
dos «borrachos della calle de arriba», «voleurs» que não são dignos
de que pises em seu quelho de lixo e memórias obliteradas
pelo vidro quebrado das garrafas proibidas


a floresta de faróis volta a enovelar-se de palavras
e da poeira do tempo - o homem desaparece na escuridão da mesma rua
deitamo-nos na açoteia  e falas de Batuta, Polo, Loti e Wilde, o morrão incandescente
na tua mala a cassete com as suras; as palavras (insististe) ditas por um ancient
para ouvirmos amanhã no leitor do carro; a lua ocre liquesce e não adormecemos


de volta da nossa bagagem as crianças e o riso das mulheres sob a árvore do jasmim
«bonne route», sempre um anjo da guarda e gatos a fugir sobre os telhados do hotel
depois do terceiro sebsi, o homem levanta-se da soleira e debruça-se na tua janela
óculos de massa, caspa nas sobrancelhas, fato branco e uma camisa de polyester
com suspensórios escoceses; os sapos sujos de lama e meias de garridas cores;
exnota com as unhas encardidas um mendigo e aperta-te a mão do lado do sol


os olhos e a voz: não te focavam e escondiam-se na luz que entretanto já apaguei;
tu bem sabes: «é que me arrancaram pela nuca a língua que usava para escrever
aqueles outros poemas»

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