Até o telemóvel se recusou
a eliminar de uma assentada o teu
nome. Tive de apagar, passo a passo,
linha a linha, todos os teus dados
pessoais. Sábado de manhã e era curioso ser
no mesmo dia em que te telefonei para
saber como estavas: à rasca de dinheiro,
como sempre. Disse que te emprestava,
melhor, que te dava uns euros, fazendo
nota mental de que esta seria
a última vez que o fazia. E naquele dia ouvi
a tua voz pela última vez. Nunca saberei
se quando caíste ias levantar o dinheiro
que tinha depositado na conta: o cartão no bolso
da camisa, juntamente com outros papéis.
Se soubesse não te teria emprestado o
dinheiro. Mas a tua voz impediu-me
de o fazer. Entre a cozinha e o quarto,
descalço, semi-nu, desgraçado, a camisa
com o cartão de um lado e, do outro, as
pernas frias. Hoje sei que se te quisesse
telefonar apenas ouviria o voice-mail
para deixar uma última mensagem,
algo que nunca tive oportunidade de
fazer. O bip incessante impõe a sua
oca presença e a tua ausência, por isso
preferi apagar o teu nome, o teu número
e outros dados mais insignificantes, na certeza
de que, agora, não precisarás que te empreste
mais dinheiro.
José Duarte, série Biografia não oficial.
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