Aos Sábados repousava:
instalava-me no lugar mais cómodo
da minha cultura ocidental,
de cachimbo num quadro de época,
e levantava com o olhar
as rolas passeabundas da marquise.
Nos intervalos,
cultivava em pequenos parágrafos,
ao lado de couves-flor à sombra dum ginjal,
a história universal
do jeito como andas pela sala,
Adélia, Rosa-Maria, Lulú,
toda feita de rendas, toda gazes e veludos,
toda cheia de recantos africanos,
penas e cheiros, paisagens com garrafas,
pretos e pelicanos,
savanas e leopardos, minas gerais,
anéis e diamantes,
casas de campo em Vigo, Barcelona, Abrantes,
toda feita contas em dólares nos bancos da Suíça,
vistos para Estados Unidos,
minha fufa, minha farofa com linguiça,
toda Armani,
toda Gucci,
toda despida nos filmes de Mizoguchi.
À mesma hora,
na sala de microfilmes da Torre do Tombo,
uma turma de dez alunos curiosos
desfia o pergaminho do meu cancioneiro pessoal
num aparato crítico fundamental:
Filho de mãe incógnita,
fruto de um amor irregular,
(toma nota e vê lá se aprendes):
Carlos Fradique Mendes.
Vim Porque me Pagavam. Lisboa: Mariposa Azual, 2011.
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