A rapariga a pensar naquilo, a rapariga ao sol, menina a comer cachorro
quente, menina a dançar na rua, rapariga do dedo no olho, do dedo na árvore.
Rapariga de braços levantados, rapariga de pés baixos, rapariga a roer as
unhas, rapariga a ler jornal, rapariga a beber um líquido chardonnay, rapariga
no vão de escada, rapariga a levar na cara. Rapariga aflita, rapariga solta,
rapariga abraçada, rapariga precisada. Rapariga a fumar charuto, rapariga a ler
Forster, rapariga encostada na palmeira, rapariga a tocar piano. Rapariga
sentada em Mercúrio ao lado de um leão, rapariga a ouvir discurso de Ghandi,
rapariguinha do shopping. Rapariga feita de átomos e sombra. Rapariga de um
ponto ao outro e medindo quarenta e dois centímetros, rapariga impávida,
rapariga serena. Rapariga apaixonada por igreja quinhentista, rapariga na moto
a trocar velocidades a mudar o jeito. Rapariga que oferece à visão o hábito da
escuridão e depois logo se vê. Rapariga de ossos partidos, rapariga de óculos
negros, rapariga de camisola em poliéster, rapariga debruçada na cadeira da
frente no cinema, rapariga a querer ser Antonioni. Rapariga estável, rapariga de
mentira, rapariga a tomar café em copo de plástico, rapariga orgulhosa, rapariga
na proa da nau africana. A rapariga a cair no chão, rapariga de pó na cara,
rapariga abstémia, rapariga evolucionista. Rapariga de rosto cortado pela faca
de Alfama, rapariga a fugir de compromissos, rapariga a mandar o talhante à
merda, rapariga a assobiar, rapariga meio louca. Rapariga a deslizar manteiga
no pão, rapariga a coçar um cotovelo, rapariga de cabelo azul. Rapariga a
brincar com um isqueiro no bolso, rapariga a brincar com um revólver nas
calças, rapariga a nadar, rapariga molhada, rapariga a pedir uma chance só
mais uma ao santo da cidade. Rapariga a ostentar decote no inverno, rapariga a
olhar pelo canto do olho esquerdo, rapariga a ser homem, rapariga na cama.
Rapariga a subir o volume, rapariga a querer ser Dylan, rapariga a cuspir no
chão. A rapariga a girar a girar a girar a girar no eixo de uma saia de seda
amarela. Amarela da cor de um feixe de luz apanhado numa esquina.
Matilde Campilho. Jóquei. Lisboa: Tina da China, 2014.
Sem comentários:
Enviar um comentário