I
Tudo isto me
parece terrível.
Todas estas
flores de que não sei o nome
parecendo
trepar pelo ar, suspensas no equilíbrio de Satã,
deformadas,
varicosas, impudentes,
cacarejando
na noite.
Eu,
acoitado, encarando-as à meia-noite,
figuras
espectrais, abortivas,
viciosas a
cada centímetro do seu talo.
A flora
demencial que neste pátio assoma
interpela-me,
alguma coisa tem comigo.
Só a tosse,
súbita, de dentro me encoraja
atravessando
a janela do quarto.
São
estilhaços da voz amada,
meu emblema
contra a raiva fria
de todos os
dias e deste ainda,
um escudo
santo
contra as
invectivas de Lúcifer.
Que todos me
desamparassem
não o choram
estas estranhas, antes
rubricam
tortuosas como epicentros
do galo.
Não poderei
ir atrás do tempo
por entre os
meus dedos escoado:
cada dedo
pelo menos um remorso maior
no meu ábaco
de angústia.
O que estas
flores e estas folhas me dizem
é ainda
outra coisa. Nas suas saias de varas
um modo de
se estar preso
na contrição
inapelável do fait accompli.
São ainda
exosqueletos, a artrite ágil
disseminada,
dessedentada.
Lá mais ao
longe espanta-espíritos
pascem: o
rebanho de Satã,
uma nuvem de
dúcteis trevas,
fantasmas
combalidos
de cordeiros
arrancados
ao Pai.
Agora estes
são cajados:
forma torpe
de sede.
II
Esperastes-me,
flores.
Insaciáveis
mas pacientes
como alguém
sabendo-se intocado
pelo falso
avanço do tempo,
indómitas
nos vossos nervos secos
dispersando-se
apenas ilusoriamente
para
tentaculares permanecerdes irrepreensíveis
na ilusão
imóvel da vossa depredação.
Mostrais-vos
superadoras
do mais
ínfimo estado
com os
vossos nódulos frios
e a vossa
água paralisada.
À distância
o cerro
invário,
o badalo da
devastação da música,
todas estas
não caducas sombras.
Esta espera
não me servirá.
Os meus dias
diante de mim inúteis.
A minha bela
criança dorme
a meu
desfavor.
Daniel Jonas. Bisonte. Lisboa: Assírio & Alvim, 2016.
Daniel Jonas. Bisonte. Lisboa: Assírio & Alvim, 2016.
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