quarta-feira, 25 de abril de 2012

L'Arrivée d'un metro à Baixa-Chiado, 2012


durante um período de tempo
fez-se algum silêncio

depois o homem 

-  provavelmente um turista - 

do outro lado da plataforma

(a mala de viagem enconstada
às pernas brancas)

pega na sua máquina
digital, coloca-se em 
posição

e filma a chegada
de um metro à
baixa-chiado

onde as luzes azuis se acendem
como se tivéssemos
num cabaré 


não em La Ciotat, 
mas em Lisboa

Da série Cinematografias
(A sair um dia destes)

José Duarte


Abril sempre


terça-feira, 24 de abril de 2012

I'm new here (em alguma cidade)

em cidade alguma 
consegui encontrar o descanso
sei-o agora que atravesso
este rio 


o tejo ondula 
lentamente, as suas linhas de água
enconstam-se à beira da terra
namorando as margens


tiro um kodak, abrevio 
por momentos a solidão
gravo as luzes viradas
ao contrário que
manifestam o vazio 
escuro das ruas


se há algum ruído
não o detecto


levo alguma música
comigo:


new york is killing me
de gil scott-heron toca


ao longe vejo
ainda alguém que
termina a noite
encostando-se 
a uma garrafa 
qualquer


penso nas pessoas que
se dissolvem como cinzas
no caminho para casa


há ainda o lento sabor da noite
e a solidez de alguns prédios


afasto-me e recordo
o triunfo da morte 
de peter brueghel 


suspiro, coloco de novo
a mochila às costas


as luzes do barco 
oscilam, tremem
obedecem ao movimento
irregular


regresso aos portos 
alguns deles até sei
os seus nomes de origem
e espero encontrar em 
alguma cidade
o repouso


Da série Biografia não Oficial
(A sair um dia destes)


José Duarte




  

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Tom Warner - Day Thirty-Two



More wrecked fuselage washed up this morning.
Biggest section yet, like a whale carcass in the breakers.
There’s a corpse still belted in a seat, the face bloated
in its oxygen mask. He has a beard. None of us recognises him.
Jane’s still not talking. Mainly she cries and hugs her knees.
When she really gives it some, her shoulders shake slightly.
She’s sunburnt raw and her lips are scabby and dry.
I’ve moved my shelter further down the beach.
Marcus spells out HELP in rocks on the white sand.
Filippo says it should be SOS. The universal sign for distress
is actually a large triangle; I know this but don’t say.
I read it once on MSN; How to survive a desert island.
Rev. Biddle is losing weight, but remains a true believer.
His sermons are beginning to chew at people’s nerves.
I don’t fancy his chances, not long term.
Since Bryony ran off into the trees, nobody’s seen her.
Marcus came over today to ask how I was getting on
with that radio set. It’s going to take some time, I said.
Salt has eaten at the circuit board. I must have looked the part,
wearing the big headphones like I was trawling interference
for a voice, a signal, anything (are you there, survivors?).
Truth is, I’ve got the Test Match on. It’s the second day
and we’re batting well, but I keep it to myself, obviously.
When rain stops play, I listen to commentators filling air
and whittle at the bails I’m carving from a piece of driftwood.
Sometimes I lie back with one hand under my head,
like a gorilla in a zoo, and think of my red-faced boss
clearing my desk and struggling to cover the hours I’ve left.
Tom Warner, "Day Thirty-Two", (winner of the Plough Prize 2011)

segunda-feira, 16 de abril de 2012

maldição

antes do poema
o poema 
pensava
roberto bolaño,
o último dos malditos,
como alguém lhe chamou.


Da série Biografia não Oficial
(A sair um dia destes)


José Duarte

meia noite todo o dia

é meia noite e mesmo
que quisesse fazer alguma  
coisa já nem sei se conseguia
para além disso, as meninas 
lá em baixo não me deixam
trabalhar. o melhor mesmo 
é fugir daqui, não vá a coisa
dar para o torto. 


isto de querermos ser poetas
tem muito que se lhe diga.


Da série Biografia não Oficial
(A sair um dia destes)


José Duarte

Lasan - Michael Kiwanuka

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Noite com Johnny Guitar e João César Monteiro




i'm a stranger here myself
Johnny Guitar

é noite e a manhã
ainda tarda a chegar
ouvem-se vozes nas ruas de lisboa
o homem espreita à janela
mete a mão ao bolso
retirando cuidadosamente
o isqueiro com que
acende um cigarro, o seu pensamento 
ambulante como o fino fio
de fumo que se arrasta lentamente
pela noite dentro
a banda sonora é a de um filme conhecido
do outro lado da rua a mulher penteia 
lentamente o cabelo 
antes de se entregar ao sono
depois fecha a janela, por vezes 
conseguem perceber-se
algumas vozes  indistintas
em casas alheias e a sombra a 
passar que se segura
à luz por onde caminha
o homem reabre a janela
resta o clarear da manhã
seguro a pouco e pouco
cobrindo os edíficios da cidade
já se ouvem os pássaros
ao longe primeiro num canto 
desalinhado, depois em harmonia
resta a ausência, o plano em
aproximação da paisagem
deixando tudo o resto para lá desta
história

Da série Cinematografias
(A sair um dia destes)

José Duarte

Let's Shake our body

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Sentença




na complicada teia da informação
social tecem-se notícias
à beira do mundo
sabemos hoje que charles mason
não será nunca mais libertado
o seu pedido para estar em liberdade
condicional foi negado
e assim continuará a ser
a prisão apenas uma forma suave
de lhe adiar a morte que lhe tinha
sido sentenciada pela sua mania de querer
equilibrar o mundo
enquanto leitor nada tenho a opinar sobre
esta notícia e gosto sempre de estar
informado do que
se vai passando 
sei agora, por exemplo,
que até o satélite Envisat
se recusa a comunicar com a Terra
mantendo como última imagem
no seu olho espacial a península ibérica
o que deixa a agência espacial europeia
seriamente preocupada
dada a sua despedida silenciosa
talvez, quem sabe, auto-imposta
como um monge faria
o que não impede o mundo
de seguir o seu curso normal
lá longe as estrelas, cá perto o que não
queremos ver
a surda solidão sem qualquer custo
adicional, como quem lê
as últimas notícias de um jornal
online

Da série Biografia não Oficial
(A sair um dia destes)

José Duarte

As noites em que éramos os maiores

terça-feira, 10 de abril de 2012

Amor, amor

lembra-te de te observares a ti mesma
não estejas a ficar magra demais


sei que não sou nenhum médico
mas quase todos nós percebemos 
um pouco de medicina


é por isso que temos o hábito
de nos auto-medicarmos


como tal, gostava de te dizer
que tens de ter cuidado
não vás ficar magra demais


isso acontece quando 
o amor se torna uma pequena 
parte do nosso coração
que já não conseguimos encontrar


esse problema não se cura com 
aspegic ou cêgripe lamento
informar-te

para os males
do coração
não tenho remédio


se, por acaso, o teu peso
não for o indicado e estiveres
a emagrecer
se achares melhor


podes sempre tomar uma
aspirina e esperar que tudo passe
com o lento sono dos dias


Da série Biografia não Oficial
(A sair um dia destes)


José Duarte

Skinny Love - Bon Iver