“Books are finite, sexual encounters are finite, but the desire to read and to fuck is infinite; it surpasses our own deaths, our fears, our hopes for peace.” ― Roberto Bolaño
terça-feira, 23 de junho de 2015
segunda-feira, 22 de junho de 2015
campéstico, paisagens e interiores - Miguel-Manso
7
à noite quando a lua repousa no ombro
mais chegado à melancolia
a chávena mal se distingue no parapeito
e a peste dos meus versos alastra lá ao fundo
numa abandonada escrivaninha
sou o escravo doido que repousa do idioma
entregando-se ao inaparente ruído dos insectos
e de mãos tombadas sobre o vazio
vela o descomedido trauma terreal
Miguel-Manso. Persianas. Lisboa, Tinta-da-China, 2015.
Retirado daqui.
sexta-feira, 19 de junho de 2015
segunda-feira, 15 de junho de 2015
Andar - Nova Iorque
“Where does it start? Muscles tense. One leg a pillar, holding the body upright between the earth and sky. The other a pendulum, swinging from behind. Heel touches down. The whole weight of the body rolls forward onto the ball of the foot. The big toe pushes off, and the delicately balanced weight of the body shifts again. The legs reverse position. It starts with a step and then another step and then another that add up like taps on a drum to a rhythm, the rhythm of walking. The most obvious and the most obscure thing in the world, this walking that wanders so readily into religion, philosophy, landscape, urban policy, anatomy, allegory, and heartbreak.”
Rebecca Solnit. Wanderlust: A History of Walking. New York: Viking Penguin, 2002.
terça-feira, 9 de junho de 2015
quarta-feira, 3 de junho de 2015
Descrição da Cidade de Lisboa - Matilde Campilho
A rapariga a pensar naquilo, a rapariga ao sol, menina a comer cachorro
quente, menina a dançar na rua, rapariga do dedo no olho, do dedo na árvore.
Rapariga de braços levantados, rapariga de pés baixos, rapariga a roer as
unhas, rapariga a ler jornal, rapariga a beber um líquido chardonnay, rapariga
no vão de escada, rapariga a levar na cara. Rapariga aflita, rapariga solta,
rapariga abraçada, rapariga precisada. Rapariga a fumar charuto, rapariga a ler
Forster, rapariga encostada na palmeira, rapariga a tocar piano. Rapariga
sentada em Mercúrio ao lado de um leão, rapariga a ouvir discurso de Ghandi,
rapariguinha do shopping. Rapariga feita de átomos e sombra. Rapariga de um
ponto ao outro e medindo quarenta e dois centímetros, rapariga impávida,
rapariga serena. Rapariga apaixonada por igreja quinhentista, rapariga na moto
a trocar velocidades a mudar o jeito. Rapariga que oferece à visão o hábito da
escuridão e depois logo se vê. Rapariga de ossos partidos, rapariga de óculos
negros, rapariga de camisola em poliéster, rapariga debruçada na cadeira da
frente no cinema, rapariga a querer ser Antonioni. Rapariga estável, rapariga de
mentira, rapariga a tomar café em copo de plástico, rapariga orgulhosa, rapariga
na proa da nau africana. A rapariga a cair no chão, rapariga de pó na cara,
rapariga abstémia, rapariga evolucionista. Rapariga de rosto cortado pela faca
de Alfama, rapariga a fugir de compromissos, rapariga a mandar o talhante à
merda, rapariga a assobiar, rapariga meio louca. Rapariga a deslizar manteiga
no pão, rapariga a coçar um cotovelo, rapariga de cabelo azul. Rapariga a
brincar com um isqueiro no bolso, rapariga a brincar com um revólver nas
calças, rapariga a nadar, rapariga molhada, rapariga a pedir uma chance só
mais uma ao santo da cidade. Rapariga a ostentar decote no inverno, rapariga a
olhar pelo canto do olho esquerdo, rapariga a ser homem, rapariga na cama.
Rapariga a subir o volume, rapariga a querer ser Dylan, rapariga a cuspir no
chão. A rapariga a girar a girar a girar a girar no eixo de uma saia de seda
amarela. Amarela da cor de um feixe de luz apanhado numa esquina.
Matilde Campilho. Jóquei. Lisboa: Tina da China, 2014.
quente, menina a dançar na rua, rapariga do dedo no olho, do dedo na árvore.
Rapariga de braços levantados, rapariga de pés baixos, rapariga a roer as
unhas, rapariga a ler jornal, rapariga a beber um líquido chardonnay, rapariga
no vão de escada, rapariga a levar na cara. Rapariga aflita, rapariga solta,
rapariga abraçada, rapariga precisada. Rapariga a fumar charuto, rapariga a ler
Forster, rapariga encostada na palmeira, rapariga a tocar piano. Rapariga
sentada em Mercúrio ao lado de um leão, rapariga a ouvir discurso de Ghandi,
rapariguinha do shopping. Rapariga feita de átomos e sombra. Rapariga de um
ponto ao outro e medindo quarenta e dois centímetros, rapariga impávida,
rapariga serena. Rapariga apaixonada por igreja quinhentista, rapariga na moto
a trocar velocidades a mudar o jeito. Rapariga que oferece à visão o hábito da
escuridão e depois logo se vê. Rapariga de ossos partidos, rapariga de óculos
negros, rapariga de camisola em poliéster, rapariga debruçada na cadeira da
frente no cinema, rapariga a querer ser Antonioni. Rapariga estável, rapariga de
mentira, rapariga a tomar café em copo de plástico, rapariga orgulhosa, rapariga
na proa da nau africana. A rapariga a cair no chão, rapariga de pó na cara,
rapariga abstémia, rapariga evolucionista. Rapariga de rosto cortado pela faca
de Alfama, rapariga a fugir de compromissos, rapariga a mandar o talhante à
merda, rapariga a assobiar, rapariga meio louca. Rapariga a deslizar manteiga
no pão, rapariga a coçar um cotovelo, rapariga de cabelo azul. Rapariga a
brincar com um isqueiro no bolso, rapariga a brincar com um revólver nas
calças, rapariga a nadar, rapariga molhada, rapariga a pedir uma chance só
mais uma ao santo da cidade. Rapariga a ostentar decote no inverno, rapariga a
olhar pelo canto do olho esquerdo, rapariga a ser homem, rapariga na cama.
Rapariga a subir o volume, rapariga a querer ser Dylan, rapariga a cuspir no
chão. A rapariga a girar a girar a girar a girar no eixo de uma saia de seda
amarela. Amarela da cor de um feixe de luz apanhado numa esquina.
Matilde Campilho. Jóquei. Lisboa: Tina da China, 2014.
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