quinta-feira, 26 de julho de 2012

I Had Just Hung Up From Talking to You - Jessica Greenbaum


I had just hung up from talking to you
and we had been so immersed in the difficulty
you were facing, and forgive me,
I was thinking that as long as we kept talking,
you in your car in the parking lot of the boys’ school
as the afternoon deepened into early evening,
and me in the study, all the books around
that had been sources of beauty to us,
as long as we stayed in the conversation
padded with history like the floor of the pine forest,
as long as I thought out loud, made a joke
at my own expense, you would be harbored in that exchange,
but the boys were leaving the track
and after we hung up I looked out the window
to see the top of the bare January trees spotlit to silvery red,
massive but made from the thinnest
twigs at the ends of the branches at the ends of the limbs
they were waving and shining in a light
like no other and left only to them.
Poetry (July/August 2012)

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Um poema de Gonçalo M. Tavares

Nem sempre os dias obedecem a fórmulas. Na cidade, com intervalo de meia hora, os melhores dedos contam diamantes e tocam nos seios da mulher que amam. Os ossos são múltiplos e, apesar de escondidos, tornam semelhantes entre si os cidadãos saudáveis. Mas o tráfico mais perseguido em certos edifícios públicos é o dos segredos. O homem rodopia atrás dos acontecimentos e é editado, como um livro, pelo trabalho que aceitou. Atirado és para o mundo pelas ordens a que obedeces.

De 1, Relógio D'água, 2004.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Um poema de Golgona Anghel


Porque falta meia hora antes de
tomar o comprimido para dormir,
porque mesmo depois de tanto tempo
fazes de mi o filho com síndroma de Down
de Arthur Miller,
porque escrever não é só abrir cabeças
com o bisturi de Lacan,
e porque um poema não é a Isabella Rossellini
a chorar todos os sábados à noite,
nem o casal encontrado abraçado
na paralisia bucal do Vesúvio.
Porque a poesia não é a ponte Mirabeau
num cartaz de néon da adolescência,
porque hoje, quando ligaste,
era apenas porque te tinhas enganado no número,
porque estou cansado, voilà,
e não consigo evitar a noite,
penso agora em ti, Juliana,
heroína no sentido naturalista do termo,
penso sobretudo no teu arzinho
de provocação e de ataque.

Podias ter sido a Maria Eduarda
do cinema norte-americano,
a rapariga que ajudou a pôr fim à guerra em Vietname,
a Frida Kahlo e o Kofi Annan,
a estátua de Notre Dame.

O teu sentido reformista,
o teu olhar de Eça socialista,
cá está,
tinhas cabeças para embaixadora da boa vontade,
pés para andar nos corredores da ONU,
o feitio da botina, a mania, a despesa.

Mas continuas a dormir no teu cacifo húmido,
de cara para a parede
enquanto 20 repúblicas foram perpetuando
campanhas eleitorais e golpes de estado
nos jornais com os quais limpas os vidros da cozinha.

Coitada, coitadinha, coitadíssima,
permaneces na sala, um pouco pálida e fraca,
mas restituída aos deveres domésticos e aos prazeres da sociedade!

O feitio da botina, a mania, a despesa,
o cheiro a terebintina,
Ó Juliana Couceiro Tavira, per omnia saecula,
chega paracá a garrafa e o cinzeiro;
temos assuntos por tratar e meia hora de créditos.

Golgona Anghel
in Vim Porque Me Pagavam (Lisboa: Mariposa Azul, 2011)

terça-feira, 17 de julho de 2012

Eileen Myles - An American Poem


I was born in Boston in
1949. I never wanted
this fact to be known, in
fact I’ve spent the better
half of my adult life
trying to sweep my early
years under the carpet
and have a life that
was clearly just mine
and independent of
the historic fate of
my family. Can you
imagine what it was
like to be one of them,
to be built like them,
to talk like them
to have the benefits
of being born into such
a wealthy and powerful
American family. I went
to the best schools,
had all kinds of tutors
and trainers, traveled
widely, met the famous,
the controversial, and
the not-so-admirable
and I knew from
a very early age that
if there were ever any
possibility of escaping
the collective fate of this famous
Boston family I would
take that route and
I have. I hopped
on an Amtrak to New
York in the early
‘70s and I guess
you could say
my hidden years
began. I thought
Well I’ll be a poet.
What could be more
foolish and obscure.
I became a lesbian.
Every woman in my
family looks like
a dyke but it’s really
stepping off the flag
when you become one.
While holding this ignominious
pose I have seen and
I have learned and
I am beginning to think
there is no escaping
history. A woman I
am currently having
an affair with said
you know  you look
like a Kennedy. I felt
the blood rising in my
cheeks. People have
always laughed at
my Boston accent
confusing “large” for
“lodge,” “party”
for “potty.” But
when this unsuspecting
woman invoked for
the first time my
family name
I knew the jig
was up. Yes, I am,
I am a Kennedy.
My attempts to remain
obscure have not served
me well. Starting as
a humble poet I
quickly climbed to the
top of my profession
assuming a position of
leadership and honor.
It is right that a
woman should call
me out now. Yes,
I am a Kennedy.
And I await
your orders.
You are the New Americans.
The homeless are wandering
the streets of our nation’s
greatest city. Homeless
men with AIDS are among
them. Is that right?
That there are no homes
for the homeless, that
there is no free medical
help for these men. And women.
That they get the message
—as they are dying—
that this is not their home?
And how are your
teeth today? Can
you afford to fix them?
How high is your rent?
If art is the highest
and most honest form
of communication of
our times and the young
artist is no longer able
to move here to speak
to her time…Yes, I could,
but that was 15 years ago
and remember—as I must
I am a Kennedy.
Shouldn’t we all be Kennedys?
This nation’s greatest city
is home of the business-
man and home of the
rich artist. People with
beautiful teeth who are not
on the streets. What shall
we do about this dilemma?
Listen, I have been educated.
I have learned about Western
Civilization. Do you know
what the message of Western
Civilization is? I am alone.
Am I alone tonight?
I don’t think so. Am I
the only one with bleeding gums
tonight. Am I the only
homosexual in this room
tonight. Am I the only
one whose friends have
died, are dying now.
And my art can’t
be supported until it is
gigantic, bigger than
everyone else’s, confirming
the audience’s feeling that they are
alone. That they alone
are good, deserved
to buy the tickets
to see this Art.
Are working,
are healthy, should
survive, and are
normal. Are you
normal tonight? Everyone
here, are we all normal.
It is not normal for
me to be a Kennedy.
But I am no longer
ashamed, no longer
alone. I am not
alone tonight because
we are all Kennedys.
And I am your President.

Eileen Myles, "An American Poem" from Not Me, 1991.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Já gástamos as palavras, meu amor - Eugénio de Andrade

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava!
Acreditava,
porque ao teu lado todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os teus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os teus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...
já não se passa absolutamente nada.

E, no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos nada que dar.
Dentro de ti
Não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.



Eugénio de Andrade, in Poesia e Prosa

Minta & The Brook Trout - From the Ground

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Alfarrabista - Antonio Barahona

ALFARRABISTA

Hoje comprei um livro de Raul de Carvalho
por um euro, o que considero um escândalo!
Os poetas, regra geral, sempre foram pobres,
mas a sua poesia vale muito mais do que
o peso de mil resmas de rouxinol em oiro.
Isto, evidentemente, pouca gente sabe.
Se muita gente soubesse
os poetas seriam todos ricos.


in Revista Telhados de Vidro, nº12, 1997.

António Barahona

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Miguel Martins - Do Tempo

Do tempo

Todo o tempo passado a trabalhar. Todo o tempo passado a falar com gente cheia de aspirações concretas. A esgravatar caminhos alternativos ao caminho que desde sempre soube e é o meu. Todo o tempo sóbrio, bêbedo, acordado, aqui. Fora da minha nuvem, Britânia imaginária. Todo o tempo perdido. Tanto. Roseiras por enxertar. Trutas à deriva. Bibliotecas de couro. Cavernames. Oboés doidos na charneca fria. Nunca os tocarei. O Tempo, indemne, não indemniza. Não se desdobra. Não se recupera. Resta-me ronronar e gemer. Ser gato. Exprimir o inefável com um orgulho estóico mas envelhecido. Tardio. O pêlo caindo. A pele demasiado larga para a carne. Peritonite infecciosa felina. O fim a instalar-se por toda a parte. O olhar triste. A espera. A inevitabilidade. Não conseguir saltar, e saltar. O sonho. A sublime humanidade dos bichos. A redenção. Privada. Como uma cicatriz que torna a pele única e intransmissível e, por isso mesmo, mais bonita.


Miguel Martins in Lérias (Lisboa: Averno, 2011)

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Duffel Bag - David Harsent


God’s blood beads on the tarmac and something rough is boiling up
just this side of the vanishing point, so it’s probably time to get

off this stretch of blacktop and into the wayside bar, where every cup
runneth over and you breast a thickening fret

of stogie smoke to get to the dank back room where a high stakes game
turns against you despite your trey of jacks, and soon enough   

you’re in way over your head with nothing and no one to blame
but the luck you’ve been getting since first you threw your stuff

into a duffel bag and hooked up with the halt and lame,
with the grifters and drifters, the die-hards, the masters of bluff,

the very bastards, in fact, who are lifting the last of your stash. . .
So it’s into the crapper and out through the window—you’re free

to do whatever you must, so long as that purple-and-yellow blush
in the sky doesn’t mean what it seems, so long as that lick of flame

from the hard-shoulder spillage doesn’t travel as far as the scree
of garbage in the lay-by, so long as that’s not your name

in the red top front-page splash on the trailer-trash kidnappee. . .
Just keep to the shadow-side, keep in under the lee

of roadside billboards, bed down in the roadside scrub, your dream
of Ithaca, that ghost town, though the rest is mystery—

what brought you to this and who might take the blame,
and how to get from the open road to a sight of the open sea.

From Poetry (2008) - retirado daqui

terça-feira, 3 de julho de 2012

Young and Tragic







Fotografia de Jessica Lange



I wish that we were magic
So we wouldn't be so young
and tragic. 


Dead Man's Bones 'Young & Tragic'
From the Album Dead Man's Bones (2011) 

Os últimos frutos - Fernando Guerreiro


Que os últimos frutos sequem, nem por isso deixam de
                                             ser os mais apetecidos.
As próprias estações confundem-se num frasco de
                                                          compota
de cujo fundo inúmeras gerações parecem ter saído.
Leva-se a mão ao fruto e um ardor consome-se na boca –
álcool de que o sentimento impróprio decai: enxuto,
                                                            ressequido.
Ah, deixa-me beijar a tua boca – até que do fundo
de um sabor a mosto eu me sinta recluso e excluído.
Liofilizados, antes da estação, agora caem os frutos.
Uns dão a luz ao dia, outros, à morte, um sentido
                                                     inapetecido.




fernando guerreiro
poesia digital
7 poetas dos anos 80
campo das letras
2002