segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Há noites que são estradas cortadas pela cabeça - Tiago Patrício

Com janelas de árvores à espreita numa floresta inteira
e ao centro as pedras que furam as orelhas
com um medo branco carregado de cordas e navios afundados

Uma perna estende a imobilidade para dentro
e uma torre submersa rodeada de olhos
fixa no ar a mesma longitude
e ordena a remoção da perna perdida do homem

Então constroem-se novos países
colonizam-se o mar por baixo e cada bandeira
tem doze moinhos ao vento
e uma espinha dorsal por quebrar

Num vespeiro produz-se um medo espesso
dissimulado de cemitérios e territórios ocupados
repletos de jardineiros a recortar a história
e os ouvidos ocupados na crepitação da carne

Erguem-se portões carregados de cedros
e pedras que nunca dão pea falta das flores na terra
até ao dia em que a fronteira cede e o país é outra vez
uma estrada de passagem um dia mais curto
ou uma hora mais tarde

E as fábricas suspiram nas vedações
com os operários de luz ao alto da cabeça
a demonstrar e a reproduzir uma harmonia
um sacramento de sentinelas subterrâneas
e a perpetuar o mistério sobre a terra



in Cartas de Praga, Clube Português de Artes e Ideias, 2010.

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