segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Um poema de Miguel-Manso


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   No jornal: mulher esteve nove anos morta em casa. Passou quase uma década entre o momento íntimo dessa morte e o maior ou menor espavento civil (e/ou religioso) que a autorizou. A morte, que acontece sempre aos outros, precisa, idealmente, da exibição do seu resíduo: o corpo consumado. Ou então de um vestígio, notícia, um boato que seja. Se ninguém acolheu a morte dessa mulher, então ela só morreu (tornou a existir) de facto, no dia em que a encontraram no chão do seu apartamento. Mais do que uma utopia, ou um hiato (uma hiatopia) o lugar e o tempo onde e em que ela desexistiu (apurados e admitidos postumamente) têm a dimensão do mito. E eis que o vocábulo apartamento atingiu ali a sua literalidade. Mas de nada, para nada, por nada e em tempo nenhum



Um Lugar a Menos, Edição de Autor, 2012.

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