“Books are finite, sexual encounters are finite, but the desire to read and to fuck is infinite; it surpasses our own deaths, our fears, our hopes for peace.” ― Roberto Bolaño
terça-feira, 27 de outubro de 2015
segunda-feira, 26 de outubro de 2015
Um poema de David Teles Pereira
Há dias em que não penso uma só palavra
que queira dizer-te, dias em que as fronteiras entre os homens
se encontram permanentemente abertas ao estreitar de mãos,
como laços de gravata a fecharem-se sobre o colarinho da camisa.
Não penso sequer na tua nuvem a morrer todos os dias à minha porta,
mas diz-me, diz-me afinal de contas tudo o que quiseres.
É que eu, eu passei demasiado tempo na tua pele,
a sonhar os gregos com intenções de cerâmica e laser,
e agora é Outono a caminho do teu rosto,
resta-me passar a rua pelos olhos, pedir café e uma amostra de cinema datado,
tal como a originalidade da nossa história,
entregue a amanuenses talentosos na hora de nos ortografar bem.
Não pareço feliz, mas pareço belo.
Terá de ser suficiente para agarrar pelos cabelos a onda
e fugir para tão longe da praia,
sempre a fingir esta versão super-heróica de mim próprio
de lábios, olhos e estômago pintados
ao jeito de uma obsessão ostensivamente recente:
tendências nunca reconhecidas nos séculos precedentes.
Admitir maternidade nestas putas de livros, à falta de linhagem feminil
que justifique a brandura da nossa crónica,
nunca como um truque, mas como uma tragédia,
enquanto dormes, a fazer de conta que eu estou aqui,
noite após noite, a tentar perceber porque é que a leitura conjugada
deste e daquele sentido é quase uma colagem
ao lastro de justiça daqueles que nos correm na família.
Escrever na terra prova uma série de coisas,
mas provas bem melhores surgem ao apagá-la,
porque a terra não se encontra com a terra, nem com o sangue.
Não somos pessoas agradáveis de conhecer.
David Teles Pereira. Biografia. Lisboa: Língua Morta, 2010.
terça-feira, 20 de outubro de 2015
sexta-feira, 16 de outubro de 2015
Um poema de Miguel-Manso
Triste de quem vive em casa,
Contente com o seu lar,
cercado de hábitos
e de conteúdos que nada e que tanto
predizem
cascalho que o íntimo da casa
importa para o malquerido usufruto
porcelanas que reluzem a cada almoço
aquém e além persianas
coisas
que multiplicam até ao sufoco
e pior que coisas a qualidade que têm
que lhes pomos
escrevo nomeando tudo
e tudo transcende o nome que tem
tudo alarga de inominável
brilho
E fere a vista, com brancuras quentes,
A larga rua alcatroada
o mesmo alvor mas filtrado têm
os matizes domiciliados as translucidezes
de que me sirvo para inteirar
o esqueleto confuso destes versos
triste — e clemente — quem neles pousa
agora o olhar.
Miguel-Manso. Persianas. Lisboa: Tinta da China, 2015.
Contente com o seu lar,
cercado de hábitos
e de conteúdos que nada e que tanto
predizem
cascalho que o íntimo da casa
importa para o malquerido usufruto
porcelanas que reluzem a cada almoço
aquém e além persianas
coisas
que multiplicam até ao sufoco
e pior que coisas a qualidade que têm
que lhes pomos
escrevo nomeando tudo
e tudo transcende o nome que tem
tudo alarga de inominável
brilho
E fere a vista, com brancuras quentes,
A larga rua alcatroada
o mesmo alvor mas filtrado têm
os matizes domiciliados as translucidezes
de que me sirvo para inteirar
o esqueleto confuso destes versos
triste — e clemente — quem neles pousa
agora o olhar.
Miguel-Manso. Persianas. Lisboa: Tinta da China, 2015.
terça-feira, 13 de outubro de 2015
segunda-feira, 12 de outubro de 2015
Cinemas vi no ar - Miguel Cardoso
Manhã seguinte
As manhãs seguintes
vêem-se de cima: terra
plana, mansa e difícil
sertão por dentro vereda
e depois terra
de cima plana
e mansa, mas difícil
Nenhum incêndio na vista
uma leve luz uma leve luz
e o brusco regresso
de ruídos à vida do musgo
Miguel Cardoso. À Barbárie Seguem-se os Estendais. &ect, 2015. Retirado daqui.
As manhãs seguintes
vêem-se de cima: terra
plana, mansa e difícil
sertão por dentro vereda
e depois terra
de cima plana
e mansa, mas difícil
Nenhum incêndio na vista
uma leve luz uma leve luz
e o brusco regresso
de ruídos à vida do musgo
Miguel Cardoso. À Barbárie Seguem-se os Estendais. &ect, 2015. Retirado daqui.
quarta-feira, 7 de outubro de 2015
segunda-feira, 5 de outubro de 2015
XIV - Luis Quintais
XIV
Lenta passagem, evocação de uma cidade:
o que te esclarece é o movimento do braço,
o gesto que nada diz arrasta somente
a memória e o seu peso, e reúne depois
novas ciladas, e faz ecoar a morte da cidade,
a linha que percorre o exterior perímetro
e cujo tema é a destruição do sentido.
Uma descrição do que não teve lugar ocorre aí,
uma descrição dobrada pelo ilegível
que a devora.
Tudo é baldio. As vozes antigas – sim, os antepassados –
já não são esperadas, permanecem tapadas pela aflição escura.
Move o braço,
o voo começará onde não houver sentido.
Luis Quintais. Riscava a palavrador no quadro negro. Lisboa: Cotovia, 2010
Lenta passagem, evocação de uma cidade:
o que te esclarece é o movimento do braço,
o gesto que nada diz arrasta somente
a memória e o seu peso, e reúne depois
novas ciladas, e faz ecoar a morte da cidade,
a linha que percorre o exterior perímetro
e cujo tema é a destruição do sentido.
Uma descrição do que não teve lugar ocorre aí,
uma descrição dobrada pelo ilegível
que a devora.
Tudo é baldio. As vozes antigas – sim, os antepassados –
já não são esperadas, permanecem tapadas pela aflição escura.
Move o braço,
o voo começará onde não houver sentido.
Luis Quintais. Riscava a palavra
sexta-feira, 2 de outubro de 2015
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