terça-feira, 1 de dezembro de 2015

E a palidez das manhãs em que se parte - Miguel Cardoso

Então

é isso: de pouca vida em pouca vida
uns frascos uns relógios que brilham
e uns tubérculos secos


É isso: de pouca vida em pouca vida
uns frascos uns relógios que já não brilham
e uns tubérculos secos


e farto de saber sacudir flores estou eu.


Não sei é para que servem estes botões que piscam.


Sei outras coisas porque li eliot
e uns franceses que ele lia.
Sei que o tempo vai estar frouxo
com possibilidade de trevas.


Sei marcar o compasso porque comprei um agrafador.


O que estiver mais à mão da nua tarde.


Vi funcionários a fazê-lo e enlouquecem


como os restantes nos intervalos das horas
para expediente basta
um gramofone ao fundo
espalhar uns papéis de embrulho
como cacos de outra vida com mais fome.


Não há como


os clássicos modernos
esses armazéns de espécies
botânicas apropriadas ao turismo de ecos
e guinchos com secura de pontas
de cigarros e pobres fins de mundos e nisto
vem claro sem surpresa o verão
de novo abaixo. É dos nervos
que ficaram invernais e pouco
adianta ir para sul ir tomar o café lá fora
atiçar Oh Oh Oh


o açúcar os mortos outras especiarias granuladas
ou despirmo-nos muito milimetricamente
debaixo dos círculos de gritos das gaivotas.


Está é preciso dizê-lo devidamente inverno
para coisas destas.


E livrar-mo-nos das pálpebras
junto ao rio escuro e dizer: está na hora
sai-me mas é da frente e entretanto pinga
qualquer coisa repetidamente deve ser do tempo


e dizer sou Tirésias sai da frente
vou para ali deitar-me no divã pôr um disco
com som de chuva
enquanto espero pelos anúncios.


Não se chega de repente ao futuro
e raramente vem ao fim de semana.
Vá. Anunciem anúncios.
Desejos tenho eu.


Será uma especiaria o açúcar
pois olha como se espalha pelo chão.


Os Engenhos necessários. Lisboa: &etc

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