sábado, 19 de dezembro de 2015

Tirar a Solidão - Sónia Baptista

sei fazer música com uma pedra espalmada
abraçar as árvores do lado que se adormece a norte
seios, que os tenho, contra musgo espartilhados

se do abraço o verde tinge fico um dia de molho, entre correrias de água

solta, riacho, salta
que frio não sinto

beijos de truta no peito barriga coxas são sabão

depositam-me pepitas de ouro na mão

confundiu-se uma, truta, de amores uma vez

desovou-me na mão
a direita
a roçar a margem

de novo musgo fiz ninho a jusante

larguei da mão, montei guarda

cantei embalos com pedra espalmada

nomes de baptismo, bolacha, chá verde, matcha

luva, cão, camisa branca de seda muito leve e tudo o que sinto falta, eu bicho impossível da neve

ter saudade da língua queimada de chá, cevada, chocolate quente

aqui queimar a língua com frio dormente

com musgo nos lábios à espera

e, quando um dia o tempo amainou

num instante para sul nadaram

bolacha, chá verde, matcha

luva, cão, camisa branca de seda muito leve e tudo o que sinto falta, eu bicho impossível da neve

Sónia Baptista. Tempus Fugit. Mariposa Azul: Lisboa, 2012.

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