“Books are finite, sexual encounters are finite, but the desire to read and to fuck is infinite; it surpasses our own deaths, our fears, our hopes for peace.” ― Roberto Bolaño
terça-feira, 30 de maio de 2017
sábado, 27 de maio de 2017
terça-feira, 23 de maio de 2017
domingo, 21 de maio de 2017
sexta-feira, 19 de maio de 2017
Dentro do Meu Peito Você Pode Cultivar a Solidão o Ano Inteiro - Diego Moraes
Lembro que uma senhora trabalhava na minha casa e orava muito. Ela
cozinhava orando e às vezes varria a casa lagrimando. Dona Lígia. Nunca
esqueço o rosto da dona Lígia. Um rosto de compadecimento com o
sofrimento alheio. Uma expressão cansada de esperança num mundo melhor.
Eu liguei a televisão. e vi o avião acertando a primeira torre e depois
outro detonando a segunda. Ela se ajoelhou de cara pra parede e começou a
chorar. Começou a pronunciar palavras em línguas estranhas. Fiquei
calado. Acho que a fé da dona Lígia me deixava sem palavras. Sem ter o
que dizer. Todos os canais de noticias temiam uma terceira guerra
mundial e resolvi me trancar e orar também. Não me ajoelhei. Sentei a
bunda na beira da cama e comecei a visualizar com força um mundo melhor.
O tempo passou. […]
Diego Moraes. Dentro do Meu Peito Você Pode Cultivar a Solidão o Ano Inteiro. Lisboa: Douda Correria, 2017.
Diego Moraes. Dentro do Meu Peito Você Pode Cultivar a Solidão o Ano Inteiro. Lisboa: Douda Correria, 2017.
quarta-feira, 17 de maio de 2017
segunda-feira, 15 de maio de 2017
Flores - Daniel Jonas
I
Tudo isto me
parece terrível.
Todas estas
flores de que não sei o nome
parecendo
trepar pelo ar, suspensas no equilíbrio de Satã,
deformadas,
varicosas, impudentes,
cacarejando
na noite.
Eu,
acoitado, encarando-as à meia-noite,
figuras
espectrais, abortivas,
viciosas a
cada centímetro do seu talo.
A flora
demencial que neste pátio assoma
interpela-me,
alguma coisa tem comigo.
Só a tosse,
súbita, de dentro me encoraja
atravessando
a janela do quarto.
São
estilhaços da voz amada,
meu emblema
contra a raiva fria
de todos os
dias e deste ainda,
um escudo
santo
contra as
invectivas de Lúcifer.
Que todos me
desamparassem
não o choram
estas estranhas, antes
rubricam
tortuosas como epicentros
do galo.
Não poderei
ir atrás do tempo
por entre os
meus dedos escoado:
cada dedo
pelo menos um remorso maior
no meu ábaco
de angústia.
O que estas
flores e estas folhas me dizem
é ainda
outra coisa. Nas suas saias de varas
um modo de
se estar preso
na contrição
inapelável do fait accompli.
São ainda
exosqueletos, a artrite ágil
disseminada,
dessedentada.
Lá mais ao
longe espanta-espíritos
pascem: o
rebanho de Satã,
uma nuvem de
dúcteis trevas,
fantasmas
combalidos
de cordeiros
arrancados
ao Pai.
Agora estes
são cajados:
forma torpe
de sede.
II
Esperastes-me,
flores.
Insaciáveis
mas pacientes
como alguém
sabendo-se intocado
pelo falso
avanço do tempo,
indómitas
nos vossos nervos secos
dispersando-se
apenas ilusoriamente
para
tentaculares permanecerdes irrepreensíveis
na ilusão
imóvel da vossa depredação.
Mostrais-vos
superadoras
do mais
ínfimo estado
com os
vossos nódulos frios
e a vossa
água paralisada.
À distância
o cerro
invário,
o badalo da
devastação da música,
todas estas
não caducas sombras.
Esta espera
não me servirá.
Os meus dias
diante de mim inúteis.
A minha bela
criança dorme
a meu
desfavor.
Daniel Jonas. Bisonte. Lisboa: Assírio & Alvim, 2016.
Daniel Jonas. Bisonte. Lisboa: Assírio & Alvim, 2016.
sábado, 13 de maio de 2017
quinta-feira, 11 de maio de 2017
The Laughing Child - W. S. Merwin
When she looked down from the kitchen window
into the back yard and the brown wicker
baby carriage in which she had tucked me
three months old to lie out in the fresh air
of my first January the carriage
was shaking she said and went on shaking
and she saw I was lying there laughing
she told me about it later it was
something that reassured her in a life
in which she had lost everyone she loved
before I was born and she had just begun
to believe that she might be able to
keep me as I lay there in the winter
laughing it was what she was thinking of
later when she told me that I had been
a happy child and she must have kept that
through the gray cloud of all her days and now
out of the horn of dreams of my own life
I wake again into the laughing child
Garden Time. Canyon Press, 2016.
into the back yard and the brown wicker
baby carriage in which she had tucked me
three months old to lie out in the fresh air
of my first January the carriage
was shaking she said and went on shaking
and she saw I was lying there laughing
she told me about it later it was
something that reassured her in a life
in which she had lost everyone she loved
before I was born and she had just begun
to believe that she might be able to
keep me as I lay there in the winter
laughing it was what she was thinking of
later when she told me that I had been
a happy child and she must have kept that
through the gray cloud of all her days and now
out of the horn of dreams of my own life
I wake again into the laughing child
Garden Time. Canyon Press, 2016.
terça-feira, 9 de maio de 2017
domingo, 7 de maio de 2017
Campo de Refugiados - Fátima Maldonado
Alguns não os víamos há anos
faziam parte da nossa mais salubre
juventude
no trabalho ainda havia escape
no amor ainda havia perigo
banquetes celebravam extorsões
compromissos sagrados aluíam
amores mais indeléveis
sucumbiam aos uivos
nas coutadas
frente à horda não havia defesa
aquele vírus jovem não cedia
pisava ameaças ignorava apelos
qualquer moderação nos parecia funesta.
(…)Os poucos resistentes engordaram
sofrem do coração bebem cerveja
têm a pasta surrada de desgostos
outros alistam-se na cave do comércio
mirram no pó as caudas abanadas
à cintura as facas do açougue,
sabujos escrevem coisas irrisórias
enquanto a terra se torna combustível.
Fátima Maldonado
faziam parte da nossa mais salubre
juventude
no trabalho ainda havia escape
no amor ainda havia perigo
banquetes celebravam extorsões
compromissos sagrados aluíam
amores mais indeléveis
sucumbiam aos uivos
nas coutadas
frente à horda não havia defesa
aquele vírus jovem não cedia
pisava ameaças ignorava apelos
qualquer moderação nos parecia funesta.
(…)Os poucos resistentes engordaram
sofrem do coração bebem cerveja
têm a pasta surrada de desgostos
outros alistam-se na cave do comércio
mirram no pó as caudas abanadas
à cintura as facas do açougue,
sabujos escrevem coisas irrisórias
enquanto a terra se torna combustível.
Fátima Maldonado
quarta-feira, 3 de maio de 2017
segunda-feira, 1 de maio de 2017
um poema de valter hugo mãe
não procuro um amor entre os cardos,
se é entre os cardos que me vês, procura
pensar que um amor não se perde por ali
nem por ali se deve encontrar. se estou
entre os cardos, meu amor, é para te esquecer
e se me vires, pensa que é por ti, absolutamente por ti
que procuro apenas dores, apenas fardos,
para lentamente matar o meu coração. e
se me vires cair, se entretanto me vires no chão,
não me apanhes, não me ajudes, pensa que
já ninguém passeia nos cardos e que o
amor, para castigo dos que morrem, recomeça
num outro lugar, seguramente à tua espera.
depois sorri mesmo que te seja difícil, se por
mais difícil que seja para mim ver-te sorrir
é entre os cardos que devo partir, quando
fugazmente te souber passando, tão parecida
com ires buscar a felicidade sem mim e eu
só mais uns segundos, já meus anjos preparados.
valter hugo mãe
valter hugo mãe
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