quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Paris


Imagem do filme L'Appolonide: House of Tolerance, realizado por Bertrand Bonello, 2011




ao terceiro dia de ter estado
em Paris lembro aquela mão
e os segredos que guardava
com alguma tolerância,
falava-se já do metro
e das inovações tecnológicas
e como ninguém gosta de andar debaixo de chão,
embora algumas pessoas sorrissem
Paris é mais bonita quando vista por cima
à superfície,
ou dentro de uma casa, um bordel,
para ser mais preciso,
espreitando pela janela, os movimentos
pendulares, e, extasiado pela vista
sempre se finge um orgasmo
como uma pantera quando lhe amansam o pêlo
e volto às mãos, que amarradas ficam sem qualquer
tipo de defesa, permitindo os horrores
da desfiguração, um sorriso triste e
obedece-se baixando a cabeça,
acenando como os japoneses (que exótico)
divídas não pagam tristezas
e, por isso, a casa fica fechada
os copos de cristal passaram a vidro,
uma pequena recordação:
já não cantam as sereias, os sofás ganharam o pó
do vazio que se instala a pouco e pouco
o fumo dos cigarros tomou o seu lugar e
partiu para nunca mais voltar,
já nem sequer há cores a esvoaçar
com os vestidos sumptuosos,
elegantes, que enganavam por momentos
a inocência que dormia no quarto ao lado
curiosidades, quem sabe, como gostar de ver
criminosos enforcados
bem sei que já não o fazem
é, de certo, uma prática bárbara
e indecente como as putas podem ser
lembro ainda a luz vermelha que se
silencia para sempre,
a porta que se fecha
com os séculos
no meu último dia em Paris
o peso da memória é algo que
nunca controlamos,
como quando queremos muito
rir e não podemos
a metáfora desproporcionada
como as adivinhas de uma ciência
fora da validade.

Da série Cinematografias
(A sair um dia destes)

José Duarte

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