sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Um poema de Ruy Belo

Atropelamento mortal

Nalgum oásis do princípio ele fora

um fugitivo brilho no olhar de Deus

-a vida havia de lho lembrar muitas vezes.


Atravessou as nossas ruas entre gatos,

a chuva molhou-lhe as pobres botas cambadas.

Teve um banco de jardim, teve amigos, um deles o sol.

Sempre sem o saber procurou Deus.

Um dia foi campos fora atrás dele, perdeu o emprego

na Câmara Municipal. Teve mãe mas depois

nunca mais foi solução para ninguém.


Naquele dia a morte instalou-o

confortavelmente no céu. Lá se foi

com seus modos humanos, seus caprichos

e um notório acanhamento em público

(há-de a princípio faltar-lhe à-vontade entre os anjos).


Tinha o nome no registo, agora habita

nas planícies ilimitadas de Deus.

Nas suas costas ainda se derrama

a tarde interrompida.

Manhãs e manhãs desfilarão sobre ele,

caracóis cobrirão a memória daquele

que foi da sua infância como qualquer de nós.


Teve um nome de aqui, andou de boca em boca,

agora é Deus que para sempre o tem na voz.

Ruy Belo

Aquele Grande Rio Eufrates

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