“Books are finite, sexual encounters are finite, but the desire to read and to fuck is infinite; it surpasses our own deaths, our fears, our hopes for peace.” ― Roberto Bolaño
segunda-feira, 30 de janeiro de 2012
quinta-feira, 26 de janeiro de 2012
Um poema de Rui Costa (1972-2012)
Autobiografia
Não preciso mas tu sabes como eu sou
Encaminho-me pouco divirto-me assim nas copas
Das árvores soprando pensamentos para o mundo que há de noite.
As pessoas quando acordam são outras, já sabias,
Essa névoa contemporânea do medo miudinho
Que perdemos nas cidades e nos corpos, tu entraste
Antes de mim nos jogos, o enxofre da música e o
Lago do feitiço, inocente homem breve que sonha
Tu bem sabes.
Depois aluguei a bruxa por uma vasta noite.
E a minha vida mudou, a noite cresceu,
A vertigem ardeu-me nos braços até a sangria
Do tédio quando para sempre julguei que te perdia.
Na luta perdi um ou dois braços,
Mais do que o que tinha. Mas esta memória é um palácio,
São corais no pensamento. Jardins e fantasmas,
O gume nas mãos sorvendo, criança estratosférica
E profunda: sem braços e agora sem mais nada.
Não me percebeste, enchi-me de fúria.
É uma arte, queria eu dizer, matar sem retrocesso e
Atraso – ah aqueles braços para apoiar as mãos - ,
Ceifando. Saturno.e.o.vento.na.proa.erguendo.
O: navio:no:mar:parado:parado: completamente.
Parado.como dizer? Não dizer, eu sou.uma vida
Medonha e múltipla. E agora descanso
Deitado nestas mãos que mexem
Sem apoio, sabes, nascendo dos teus olhos
P’la manhã.
quarta-feira, 25 de janeiro de 2012
O extremo exercício de cansaço - Diogo Vaz Pinto
onde, além de uns cremes de rejuvenescimento,
recomendava um produto para a queda de cabelo.
Fui comprá-lo esta tarde e sentei-me num café
a ler o folheto informativo – as contra-indicações
e possíveis efeitos secundários.
Experimenta-se tudo, desde a primária rima
e versos que trazemos da escola, até à parafernália
surrealista ou a perfuração de beleza que vem
incendiar a língua portuguesa, elevando e destruindo casas,
fazendo abrigos temporários para a saliva das horas
fundas e mais escuras onde nascemos e desaparecemos
sucessivamente, gravando com as unhas contra a parede
as memórias que criámos para os homens todos
que podíamos vir a ser.
Mas deixando-me agora de águas em que não tenho pé,
retomo o meu pequeno charco: minutos mais certos
e plausíveis, sem grande voz ou talento para cantar
aos ouvidos do futuro.
Já chove a sério lá fora, e nós aqui, noutro serão
demolhado, a comermos hambúrgueres
e a combatermos por um orgasmo
no intervalo do CSI Miami. (Que série tão
estúpida.) Espero que não leves a mal,
digamos que o romantismo no fim se reduz
a pouco mais que isto: uma flor degenerada de vez
em quando, a eventual partilha de leituras ou apenas
a rapidez com que atingimos o ponto de rebuçado
para nos desmancharmos nas margens
de um coração recidivo, vestígio animal
que só o tempo poderá domesticar.
Um dia ainda vou dar-te filhos, se é mesmo
isso o que tu queres – eu já estou por tudo. O mundo
ganha-nos todos os dias, infiltra-se no sangue
e nos espelhos da casa, cose-nos a sombra a prazos,
recados e listas de compras, estraga a nossa vontade
e dá-a a telenovelas e programas de rádio no caminho
para um trabalho que diz tudo sobre o que
não atingimos. Talvez mais tarde nos ataque o arrependimento
e lamentemos não termos perdido tudo ainda jovens,
com uma morte infantil numa brincadeira qualquer,
a dançar com algum sonho ou fugindo para muito longe
com outro alguém.
terça-feira, 24 de janeiro de 2012
segunda-feira, 23 de janeiro de 2012
Performance - Les Murray
Performance
I starred that night, I shone:
I was footwork and firework in one,
a rocket that wriggled up and shot
darkness with a parasol of brilliants
and a peewee descant on a flung bit;
I was blusters of glitter-bombs expanding
to mantle and aurora from a crown,
I was fouéttes, falls of blazing paint,
para-flares spot-welding cloudy heaven,
loose gold off fierce toeholds of white,
a finale red-tongued as a haka leap:
that too was a butt of all right!
As usual after any triumph, I was
of course, inconsolable.
(Subhuman Redneck Poems, 1996)
quinta-feira, 19 de janeiro de 2012
o coração ou a gravidade
dissemos que os nossos corações estão vazios,
como num processo de insolvência,
dado os empréstimos que fizemos à saudade.
agora que não podemos pagar as dívidas de amor
estamos hipotecados com o corpo.
José Duarte
quarta-feira, 18 de janeiro de 2012
Um poema de Srikanth Reddy
If there is a story, it is this. At one point I had
tears in my eyes. Now I consider the light of
morning in a major university, reflecting on the
failure of reason in Alice in Wonderland. Each
week, I plan an assignment. Students, interrogate
form down to the last comma. Students, broadcast
the crimes of history. In March, the government,
mired once again in a morass of confusion
and double-dealing, had no way of explaining
American casualties in the war. It had neither
inside nor outside, like a long ago fire in the
world.
Voyager de Srikanth Reddy, 2011, 144 pp.
terça-feira, 17 de janeiro de 2012
segunda-feira, 16 de janeiro de 2012
[Down on your kness, Achilles]
Down on your knees, Achilles. Farther down.
Now forward on your hands and put your face into the dirt,
And scrub it to and fro.
Grief has you by the hair with one
And with the forceps of its other hand
Uses your mouth to trowel the dogshit up;
Watches you lift your arms to Heaven; and then
Pounces and screws your nose into the filth.
Gods have plucked drawstrings from your head,
And from the templates of your upper lip
Modelled their bows.
Not now. Not since
Your grieving reaches out and pistol-whips
That envied face, until
Frightened to bear your black, backbreaking agony alone,
You sank, throat back, thrown back, your voice
Thrown out across the sea to reach your Source.
War Music by Christopher Logue, published by Farrar, Straus & Giroux. Copyright © 1988 Christopher Logue.
sexta-feira, 13 de janeiro de 2012
quarta-feira, 11 de janeiro de 2012
Al Berto 11/1/1948
Mais Nada se Move em Cima do Papel
mais nada se move em cima do papel
nenhum olho de tinta iridescente pressagia
o destino deste corpo
os dedos cintilam no húmus da terra
e eu
indiferente à sonolência da língua
ouço o eco do amor há muito soterrado
encosto a cabeça na luz e tudo esqueço
no interior desta ânfora alucinada
desço com a lentidão ruiva das feras
ao nervo onde a boca procura o sul
e os lugares dantes povoados
ah meu amigo
demoraste tanto a voltar dessa viagem
o mar subiu ao degrau das manhãs idosas
inundou o corpo quebrado pela serena desilusão
assim me habituei a morrer sem ti
com uma esferográfica cravada no coração
Al Berto, “O Medo”
terça-feira, 10 de janeiro de 2012
segunda-feira, 9 de janeiro de 2012
quinta-feira, 5 de janeiro de 2012
Um poema de Jesús Jiménez Domínguez
HABLO de nuevo con el sepulturero, él acaricia el
hueso sacro de su pala y se estremece a su contacto
poderoso, conoce la llamada del topo y del poniente
sus diversas aleaciones, el helecho y otras melenas más
dormidas conjura en silencio, huele el humus mojado y
la caoba embriagadora a punto de zarpar hacia trópicos
inexactos
pues él pasa lista al carrusel de mis vértebras mientras
mastico grumos de luz incierta, ha paladeado la tila de
mis venas y sabe que estoy tranquilo, seguro en mi
desamparo cuando de nuevo le hablo, espectro de laúd
ahogado, desde el puente levadizo de la página
poema de Jesús Jiménez Domínguez do livro Diario de la anemia (Olifante, Zaragoza 2000)